ELIAS RICARDO SANDE

ELIAS RICARDO SANDE
PSICOLOGO SOCIAL E DAS ORGANIZACOES

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

POSSESSÃO/TRAUMA E REINTEGRAÇÃO SOCIAL PÓS-GUERRA EM MOÇAMBIQUE


  1. Introdução

O presente trabalho visa apresentar a interpretação do fenómeno trauma psicológico para a cultura ocidental ou possessão pelos espíritos para a cultura africana (moçambicana). Esse fenómeno está descrito nos textos de Paulo Granjo (2007) e Ilundi Cabral (2005/6). O trabalho irá apresentar algumas intervenções curativas desse fenómeno explicadas de acordo com a psicologia moderna e a cultura moçambicana.
Cada cultura, cada sociedade, cada comunidade tem a sua história que se constrói a partir dos seus valores, crenças, expectativas, tradições e visões específicas. Não existe um padrão universal de interpretar o mundo, deste modo, a visão do mundo vai variar de acordo com a concepção de cada cultura e em fução do tempo, espaço e contexto. Baseando-se no pensamento de Émile Durkheim e de Albert Einsten que defendem que tanto fenómenos social quanto o físico é universal, está claro de que os dois textos recomendados retratam de apenas um único fenómeno que ocorre em todas culturas do mundo, mas o que varia é a sua interpretação, bem como os modos e técnicas que sendo usadas para a intervenção.
A ocorrência e a manifestação desse fenómeno é universal, mas é visto de formas diferentes entre as duas culturas (africana e ocidental). Assim sendo, a sua interpretação também vai seguir caminhos diferentes mediante a concepção de cada cultura.
Esse trabalho terá a seguinte estrutura: a presente introdução; trauma psicológico para ocidentais ou possessão pelos espíritos para africanos (moçambicanos); trauma psicológico para a cultura ocidental-psicologia moderna; possessão pelos espíritos para a cultura africana (moçambicana); rflexão-tratamento e conclusão.




  1. Trauma psicológico para ocidentais ou possessão pelos espíritos para africanos (moçambicanos)

Com base nos textos recomendados, está evidente que estamos perante um fenómeno universal, ou seja, um fenómeno que ocorre em todas culturas. Mas que no entanto tem designação e interpretação diferente. Esse facto remete-nos a perceber que cada cultura é uma cultura, isto é, cada sociedade tem suas tradições, seus valores, suas crenças, seus costumes típicas e específicas que lhe caracteriza e que lhe diferencia com todas as outras sociedades.

    1. Interpretação do fenómeno com base na psicologia moderna (cultura ocidental)
De acordo com a psicologia moderna-cutltura ocidental os dois textos tratam trauma psicológico dos soldados no período de guerra, na medida em que os soldados participavam em acções violentas, massacres, assassinatos, mortos, derramamento de sangue. Isso pode lhes causar um peso de consciência por se sentir culpabilizados pelo sucedido.
Um dos textos revela-nos que os referidos soldados foram recrutados pela imposição e além disso eram de idade menor. Apartir desses factores traumatizantes, os referidos desenvolveram vários problemas mentais, entre os quais: alucinações, delírios e depressão.
Podemos entender o trauma como uma experiência de natureza excepcionalmente ameaçadora ou catastrófica, que põe em risco a segurança ou integridade física do paciente e das pessoas á sua volta Madrit (2000). Nesse caso, os soldados estariam traumatizados por testemunharem mortes violentas de outros, ser vítima de tortura física ou emocional na guerra, sofrer mudança súbita e ameaçadora ao serem impostos para se filiar na guerra. Nesse sentido, esses soldados para se reintegrarem satisfatoriamente na sociedade tinham que serem submetidos à terapias psicológicas, no sentido de aliviar o trauma e o sofrimento que eles vivem. Esse tratamento somente terá sucesso quando ocorre na medicina moderna.
    1. Interpretação do fenómeno com base na cultura africana (moçambicana)
Por outro lado, segundo a cultura africana e em particular a cultura moçambicana os dois textos retratam de um fenómeno muito comum designado por possessão dos soldados aquando do decurso da guerra, na medida em que ao estarem envolvidos em acções de mortes, violências, assassinatos, massacres, derramamento de sangue estariam possessos pelos espíritos das pessoas mortas como forma de se vingar. Por essa razão, segundo Granjo (2007), os soldados após a guerra seriam perseguidos por esses espíritos que se manifestaria em comportamentos desajustados.
Segundo Honwana (2002), os espíritos se encontram em interação com os humanos e podem ser vistos como uma parte do mundo dos vivos. Os indivíduos possuidos assumem a personalidade dos espíritos, nesse sentido, os soldados apresentariam várias identidades pelo facto de o hospedeiro reunir vários espíritos. Desse modo havia necessidade desses soldados serem envolvidos em cerimónias tradicionais onde deveria-se fazer uma limpeza e/ou uma purificação espiritual que visa impedir qeue os espíritos dos mortos na guerra não os seguissem. Essa purificação seria feita por meio de advinhos, profetas e curandeiros, ou seja, a medicina tradicional (Cabral, 2005/6).

  1. Rflexão-Tratamento
Não estamos perante dois fenómeno, mas sim um mesmo fenómeno interpretado de formas diferentes. Relativamente à tradição dos espíritos é uma prática fortemente aceite pela cultura moçambicana, a possessão é vista e constitui a própria essência da identidade moçambicana. É deste fenómeno que se gere as crises sociais e pessoais, na medida em que os indivíduos acedem ao conhecimento esotérico que confere aos anciãos e aos mais velhos, diferentemente aos ocidentais em que o conhecimento resulta de descobertas de novos factos e teorias.
Nas tradições moçambicanas a posse pelos espíritos desses soldados não deve ser separada da aquisição do conhecimento, ao qual dá acesso ao poder, ao procurar a cura e fazer a adivinhação está-se num processo de busca de conhecimento que ultrapassa a percepção e compreensão das pessoas, mas sim apenas era percebido pelos vulgos nyamussoros (sábios, mestre, conselheiros, curandeiros, adivinhos, líderes religiosos) e lhes possibilita estabelecer o equilíbrio e a cura desses soldados.
Por outro lado, com base na psicologia moderna, esses soldados estavam traumatizados pela experência que tiveram durante a guerra. Segundo Madrit (2000), quando um trauma ocorre ele passa a interferir nas nossas vidas de forma directa ou indirecta através de nossos comportamentos e atitudes. O trauma, na maioria das vezes, limita e empobrece nossa qualidade de relacionamentos interferindo diretamente no nosso bem-estar e em nossa saúde emocional.
Segundo Madrit (2000), na medida em que apresentam sintomas típicos de stresse pós-traumático, episódios de repetidas revivescias do trauma sob a forma de memórias intrusas ou sonhos, afastamento de outras pessoas, evitação de actividades e situações que possam de alguma forma recordar o trauma. Desse modo, os referidos soldados não estavam preparados para se reintegrar satisfatoriamente na sociedade. Para esquecer todos acontecimentos que trazem peso de consciência e a fixação de situações estranhas vividas no período de guerra por parte dos soldados seria necessário recorrer à medicina moderna mediante terapias comportamental, cognitiva e cognitivo-comportamental.
Esses soldados que fizeram parte da guerra de acordo com a visão moçambicana estavam possessos de espíritos de pessoas que foram mortas, como forma de tratamento no sentido de reintegrâ-los na sociedade era imperioso que fossem submetidos à cerimómias tradicionais que culminariam com a descoberta das causas e a expulsão desses espíritos através dos nyamussoros.
Como recomendação, é de salientar que um determinado fenómeno ocorre de uma forma universal em todas culturas, mas a interpretação desse mesmo fenómeno varia de cultura para cultura, e, consequentemente o modo de intervir está associada à concepção de cada cultura. Em todas as intervenção tanto no trauma para os ocidentais quanto na possessão para a cultura moçambicana o objectivo é a cura. Essa cura vai ser o produto das crenças e dos valores de cada cultura. Vale enfatizar que o tratamento de qualquer que o fenómeno deve estar de acordo com as convicções do paciente, pois é no acreditar e no valor que as pessaos resolvem os seus problemas.
  1. Conclusão

A tese de Albert Einsten que defende a invariabilidade da ocorrência dos fenómenos físicos, isto é, os fenómenos físicos são universais ocorrem da mesma maneira em qualquer espaço, essa ideia foi confirmada pelo pensamento durkheiniano na qual se defende que um fenómeno social ocorre universalmente em todas as culturas apresentando apenas algumas características específicas, não lhe tirando o seu carácter universal, A ideia de invariabilidade dos fenómenos continuam válidas até nos nossos dias.
Tal como os fenómenos físicos defendidos por Einsten e os fenómenos sociais defendidos por Durkheim, os fenómenos psicológicos também são universais, ou seja, ocorrem da mesma maneira em todas as culturas, apresentando apenas algumas características específicas. No entanto, a interpretação e o significado atribuido à esse fenómeno é que varia de cultura para cultura.
Na cultura moçambicana, o fenómeno em causa é possessão pelos espíritos que faz parte da essência do humem. A possessão não pode ser visto como uma parte separada do conhecimento, a advinhação é um método de busca de conhecimento, eese conhecimento vai para além daquilo que o homem comum compreende.
Na cultura ocidental-biomedicina designaria o mesmo fenómeno por trauma psicolõgico. Nesse caso a biomedicina ocidental preoconiza tratamentos modernos onde são aplicadas terapias comprovadas, nesse sentido para eles os espíritos não pode interferir no mundo dos vivos.
A medicina ocidental em algumas vezes pode não ser aplicável ao contexto moçambicano porque essa parte de pressuposto de que o corpo e a mente são entidades distinguíveis. Nesse contexto, vêm o homem como um somatório de partes, o que entra em contradição com a realidade moçambicana em que o homem é visto como um todo-visão holística do homem, daí que a cura para os moçambicanos centra-se na harmonia entre os vivos e os morto e nas suas crenças de que os mortos interferem no mundo dos vivos.

  1. Referências Bibliográficas

Cabral, I. (2005/6). Digerir o passado: rituais de purificação e reintegração social de crianças-soldados no sul de Moçambique, Antropologia portuguesa 22/23: 133-156. Disponível em: http://www.uc.pt/en/cia/publica/AP artigos/AP22.23.06 Cabral.pdf, acesso em 06 de Abril de 2011, 19hrs
Granjo, P. (2007). Limpeza ritual e reintegração pós-guerra em Moçambique, Análise social, vol. XLII (182), 123-144. Disponóvel em http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aso/n182/n182a06.pdf, acesso em 06 de Abril de 2011, 18hrs7min
Honwana, A. M. (2002). Espíritos vivos, Tradições modernas: possessão de espíritos e reintegração social pos-guerra no sul de Moçambique. Maputo: Promédia editora
Madrit, A P. (2000). Uma Terapia para Tratamento de Traumas. Disponível em: http://somostodosum.ig.com.br/conteudo/conteudo.asp?id=05742, acesso em 06 de Abril de 2011, 18hrs

Um comentário:

Delto Carapeto III disse...

Por favor poderia desponibilizar o livro de Honwana?

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