ELIAS RICARDO SANDE

ELIAS RICARDO SANDE
PSICOLOGO SOCIAL E DAS ORGANIZACOES

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Conceito de Familia: Perspectiva Africana



INDICE


I.
Um dos pilares do pensamento de Vygotsky é a idéia de que as funções mentais são construídas ao longo da história social do homem ou seja a formacao da personalidade, a história social objectiva tem um papel essencial no desenvolvimento psicológico, nisso, a família se encarrega em parte, na estruturação desse desenvolvimento, mediando nas funções que estão em processo de maturação. Desta forma concorda com Sousa (2007), que inúmeras são as influências do ambiente social para a formação da personalidade humana. Inegavelmente, a família é a mais importante de todas. É ela que proporciona as recompensas e punições, por cujo intermédio são adquiridas as principais respostas para os primeiros obstáculos da vida. O grupo familiar tem sua função social e é determinado por necessidades sociais. Ele deve garantir o provimento das crianças, para que elas, na idade adulta exerçam actividades produtivas para a própria sociedade, e deve educá-las, para que elas tenham uma moral e valores compatíveis com a cultura em que vivem. Tanto assim, que a organização familiar muda no decorrer da história do homem, é alterada das mudanças sociais. Nesse sentido, entende-se que a família não é apenas uma instituição de origem biológica, mas, sobretudo, um organismo com nítidos caracteres culturais e sociais. 9
















  1. INTRODUCAO


O presente trabalho tem como título Família e surge no âmbito da Disciplina de Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicológicos, do curso de Psicologia da Faculdade de Educação da Universidade Eduardo Mondlane.
Falar de família actualmente e principalmente numa visão de um profissional que se preocupa em moldar o comportamento dos indivíduos com vista a contribuir positivamente para que estes vivam e convivam da melhor maneira possível, é um dos grandes motivos que despertam cada vez mais interesse em abordar este tema, visto que esta está a sofrer profundas transformações sociais, politicas e até culturais que muitas vezes trazem grandes implicações para a saúde das pessoas.
Com o presente trabalho pretendemos analisar aspectos estritamente ligados a família, mostrar e frisar uma vez mais a importância desta instituição que é considerada a base de todas as sociedades, analisar aspectos que de alguma forma estão a contribuir para a transformação do que era família em tempos mais remotos e o que estará a acontecer com esta nos tempos actuais e que soluções propor para que esta permaneça e continue a servir de suporte e o meio onde o individuo adquire a sua identidade.
O trabalho resulta basicamente de pesquisas bibliográficas e consultas de sites na Internet.
Em termos de estrutura, o trabalho conta com três partes principais, sendo a primeira, a presente introdução, a segunda parte é preenchida pelo tema e aspectos relacionados ao tema, na terceira parte ressaltamos pontos principais a reter sobre o tema e por fim apresentamos na ultima parte as referencias bibliográficas de todo o material usado para a composição do trabalho e os respectivos sites consultados na Internet.







II. FAMÍLIA

2.1 Conceito de família


A família é a mais antiga instituição humana que se conhece. Segundo a WLSA Moçambique (1998), família é entendida como corpo institucionalizado onde, através de relações de cooperação estabelecidas se faz a socialização dos seus membros.
Messa (s.d), sugere que a família é o primeiro grupo no qual o homem está inserido ou seja, é a rede inicial de relações do indivíduo que funciona como uma matriz de identidade, dando oportunidade de pertença a um grupo específico e também de ser separado e ter participação em subsistemas e grupos sociais externos.
Riviere (1998) citado pelo autor supracitado afirma que a família é a estrutura social básica que deve ter seus papeis delimitados com diferenças especificas porem relacionadas ao seu funcionamento que depende das diferenças desses papeis.
Na concepção grupo, família é meio social onde o individuo é moldado, procedendo-se a transmissão de valores costumes e tradições do seu grupo social através de uma educação sem uso de técnicas, onde constitui maior relevância aquilo que o individuo é e não aquilo que ele é capaz de fazer.
Na cultura ocidental, uma família é definida especificamente como um grupo de pessoas de mesmo sangue ou unidas legalmente como no casamento e na adoção, isto para dizer que são membros da família progenitora e filhos. Concordando com Watch Tower Bible (2006), nos países ocidentais, a família normalmente consiste em pai, mãe e filhos. Os avós em geral moram nas suas próprias casas enquanto podem, mas mantém o contacto com parentes mais distantes e os deveres para com estes são limitados.
De acordo com Vygotsky, citado por Sousa (2010), a família é a primeira esfera de socialização da criança, responsável pela formação individual e social de cada um. Na família como sistema, no qual as partes interagem com o todo e o todo nas partes, a criança aprende a conviver em sociedade com outros grupos, necessitando para o efeito de ter um ambiente familiar estável e de modelos parentais firmes e consistentes para a construção das funções superiores e nesta onde a criança fica dotada de referências seguras e consistentes, aprende a ter consciência das suas possibilidades, de desenvolver segurança interna, promovendo a sua auto-estima e assim a capacidade de permutar com os demais actores sociais. A educação alicerçada numa autoridade baseada no respeito mútuo, leva à construção de uma moral autónoma que consiste em compreender o porquê das leis que a sociedade impõe e que devemos respeitar, ou contribuir para modificar, participando com base no respeito mútuo, no espírito de cooperação, de responsabilidade social, criando-se assim uma identidade individual e social devidamente alicerçada.
Para Vygotsky, o processo de educação baseia-se em três pilares fundamentais, secundadas por Damiani, M. F e Neves, R. A (2006), no desenvolvimento de uma criança, busca-se compreender “até onde a criança já chegou”, em termos de um percurso que será percorrido por ela. Quando se afirma que a criança já sabe realizar determinada tarefa, refere-se a sua capacidade de realizá-la sozinha. Vygotsky determina essa capacidade de realizar tarefas de forma independente de nível de desenvolvimento real; este nível refere-se as etapas já alcançadas.
Os autores chamam a atenção para o facto de que compreender adequadamente o desenvolvimento, deve-se considerar não apenas o nível de desenvolvimento real da criança, mas também seu desenvolvimento potencial, que é, sua capacidade de realizar tarefas com a ajuda de familia, professores ou de companheiros mais capacitados. Essa capacidade de se beneficiar da colaboração de uma outra pessoa vai ocorrer num certo nível de desenvolvimento, não antes.
É a partir da existência desses dois níveis de desenvolvimento (real e potencial) que Vygotsky define a zona de desenvolvimento proximal como “a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um familiar adulto ou em colaboração com companheiros mais capacitados”.
A zona de desenvolvimento proximal refere-se ao caminho que o indivíduo vai percorrer para desenvolver funções que estão em processo de amadurecimento e que se tornarão funções consolidadas, estabelecidas no seu nível de desenvolvimento real. A zona de desenvolvimento proximal é um domínio psicológico em constante transformação. Para este todo o processo ocorra é importante que a família intervenha ajudando a moldar o individuo.




Na perspectiva africana Osório (2002), citada por Borsa e Feil (2008), apresenta uma visão operatória de família tipicamente africana, definindo-a como uma unidade grupal na qual se desenvolvem três tipos de relações: i) aliança (casal), ii) filiação (pais/filhos) e iii) consanguinidade (irmãos) e que a partir dos objectivos genéricos de preservar a espécie, nutrir e proteger a descendência e fornecer-lhe condições para a aquisição de suas identidades pessoais tendo em conta que cada membro ocupa uma posição com a qual se deve identificar. Neste contexto podemos ver a família como um conjunto invisível de exigências funcionais que organiza a interacção dos membros da mesma, considerando-a, igualmente, como um sistema, que opera através de padrões transaccionais e no seu interior os indivíduos podem constituir subsistemas, podendo estes ser formados pelas gerações, sexo, interesse e/ ou função, havendo diferentes níveis de poder, e onde os comportamentos de um membro afectam ou influenciam os outros membros.
De acordo com Garcia (2001), em Moçambique assim como noutras sociedades africanas, a unidade fundamental das sociedades é a família extensa, que funciona como elemento mítico -espiritual, social e até juridicamente solidário. Aquelas estruturas possuem um carácter intensamente comunitário; desempenhando o indivíduo funções com importância colectiva; o seu interesse é subordinado ao geral. O comunitarismo faz ainda parte da religião, das formas de vida económica e da existência de inúmeras sociedades especiais (no espaço entre família e a tribo). Visto que as famílias moçambicanas são no geral colectivistas, onde o papel de cada um dos membros está bem definido e, um possível erro de um dos membros pode ser analisado como sendo um erro de toda família no geral.

2.2 A família numa sociedade em mudança


De acordo com IRKA (2002), a evolução da família e do conceito da instituição família ao longo da história tem-se revestido de características específicas. Nos tempos do Jurista Gaio ( Sec. II ) a família transmitia-se por herança e a este termo estava arreigado um forte conceito patrimonial, ou seja, a família era mais vista no sentido de propriedade e sucessão de propriedade material do que era vista no sentido das pessoas ( seres humanos livres e escravos / servos ) de que ela se constituia.
Ao longo da história, famílias têm ajudado a constituir sociedades fortes. A família é a melhor provisão para criar filhos que se tornem adultos responsáveis.
De acordo com Relvas e Alarcão, (2002), citados por IRKA (2002), nos último 50 anos, no Ocidente, a família modificou as suas dimensões, organizou-se de formas diversas e tem em conta novos valores. No entanto, ser família além de ter um carácter único e de funcionar como um todo é fazer parte integrante de um sistema de contextos, como a comunidade e a sociedade. A estrutura familiar, organizada por papéis e funções de cada elemento de cada sistema, é a responsável para que não existam duas famílias iguais. Desta forma, a família não pode ser considerada um sistema estanque e inalterável, pois ela evolui e complexifica-se. Os elementos transformam-se ao longo da sua vida familiar, mediante exigências provenientes do interior ou do meio social, onde é necessária a adaptação a novos papéis de modo a equilibrar o funcionamento familiar.
Gurguière at all, (s/d), quanto a história africana, os sistemas familiares caracterizam-se pela diversidade dos seus modos de filiação – patrilinear, matrilinear ou bilinear -, encontrando-se cada indivíduo numa trama que o liga a todos os outros por conexões genealógicas: pertence ou ao grupo do pai ou ao grupo da mãe. Tais modos de filiação relevam do colectivo, produzem o que se denomina linhagens, a saber conjuntos de homens e de mulheres descendentes, seja em linha asnáticas seja em linha uterina de um(a) antepassado (a).
No quadro de um estudo sobre as transformações familiares, estas características são tão importantes quanto o número de sociedades africanas tradicionais organizadas na base quase exclusiva do parentesco.

2.3 Classificação das Famílias

De acordo com Aghassian et all (2003), as famílias podem ser classificadas em:
      1. Filiação unilinear ou unilateral: quando o parentesco só é transmitido aos filhos de um casal legítimo por um dos pais, com exclusão do outro. Quando o pai transmite o parentesco, a filiação é patrilinear; quando é a mãe que o transmite, a filiação é matrilinear.
A filiação unilateral ou unilinear segundo o autor subdivide-se em:
  • Filiação patrilinear ou Agnática
A WILSA Moçambique (1998), sustenta que a patrilinearidade é frequente no sul e centro de Moçambique.
De acordo com Aghassian, et all (2003), os filhos fazem parte do grupo de parentesco do pai, o que significa que os pais transmitem o parentesco.
Nas sociedades patrilineares a linha de perpetuação de grupos de parentesco passa exclusivamente através dos homens. Tal como se verifica em nas regiões centro e norte do pais como a WLSA já havia identificado como sendo regiões que apresentam o sistema Patrilinear e como e o caso das regiões sul e centro os homens tem tido mais valor em relação ao homem. a defende que nas sociedades patrilineares a importância social dos homens é maior do que das mulheres.
A patrilinearidade é mais frequente nas sociedades onde as actividades económicas masculinas são decisivas e o seu papel social é sobrevalorizado.
A filiação patrilinear é a forma mais comum da filiação unilinear. Neste sistema de filiação e organização patrilinear, os membros de um grupo de parentesco unem-se pela ligação a um antepassado comum masculino através de uma linha de ascendência - descendência que cruza as diferentes gerações somente através de parentes masculinos.
Numa dada geração, os irmãos e irmãs, entre si, pertencem a patrilinhagem do seu pai e do seu avó paterno, assim como a dos irmãos e irmãs tanto do pai como do avô paterno. Tantos filhos como as filhas de um homem traçam a sua ascendência a um antepassado comum através de uma linha masculina. Nestes grupos a responsabilidade social em relação as crianças cabe ao pai ou irmão mas velho e dentro desta linhagem os homens prestam atenção aos descendentes masculinos.

  • Filiação matrilinear ou uterina
Quando os filhos fazem parte do grupo de parentesco da mãe, o que significa que só as mães transmitem o parentesco. Matrilinearidade em Moçambique é mais frequente na região norte do país e uma parte do centro (Tete).
Nas sociedades matrilineares, o parentesco passa exclusivamente através da mulher, nesta a matrilinhagem ocorre nas sociedades onde a horticultura é uma actividade importante, pois aí as mulheres têm o papel económico mais importante.
A filiação matrilinear é diferente na forma como traça a matrilinhagem assim como na forma de realizar o poder autoridades e estruturam a nível da família. Nela as mulheres têm por vezes bastante poder, mas nunca absoluto sobre o seu grupo de filiação, pois este é partilhado com os irmãos que tem maior interesse em exercer o maior poder controlo possível sobre a descendência das suas irmãs.
Na matrilinhagem, os irmãos e irmãs pertencem a linhagem da mãe e da avó materna, que é também a dos irmãos da mãe e dos filhos da irmã desta.

      1. Filiação cognática: diferente da filiação unilinear, ou filiação diferenciada, a filiação cognática é uma filiação indiferenciada, pois o parentesco é transmitido tanto pelo pai como pela mãe. A filiação cognática reconhece o parentesco de ambos os lados. Todos os descendentes têm direitos e obrigações, deveres e privilégios idênticos para com os seus parentes paternos e maternos.

      1. Dupla filiação unilinear: quando duas filiações unilaterais se justapõem, cada uma regendo, com exclusão da outra, a transmissão de determinados direitos Por exemplo, entre os Yako da Nigéria, o grupo paterno, Kepun, está localizado; pais e filhos habitam com as suas mulheres num mesmo aglomerado, o grupo materno, Lejima, está disperso: tios e sobrinhos uterinos vivem, cada um, junto do seu grupo paterno. O pai transmite ao filho as suas terras cultiváveis, mas o gado e o dinheiro vão para o filho da sua irmã: come-se no lado paterno e herda-se no lado materno.

2.4 Família como agente da socialização na formação da personalidade

Depois de Durkheim, como afirma Vilherna (s/d), tornou-se lugar-comum na sociologia da família, falar do casamento como o espaço que serve ao indivíduo de protecção contra a anomia. Ao falar de situações anômicas, importa analisar aqui a família como instituição e instrumento criador de um "nomos", isto e, a família, favorece um engajamento social que cria para o indivíduo uma espécie de ordem, na qual sua vida adquire um sentido, constituindo-o como sujeito.

Um dos pilares do pensamento de Vygotsky é a idéia de que as funções mentais são construídas ao longo da história social do homem ou seja a formacao da personalidade, a história social objectiva tem um papel essencial no desenvolvimento psicológico, nisso, a família se encarrega em parte, na estruturação desse desenvolvimento, mediando nas funções que estão em processo de maturação. Desta forma concorda com Sousa (2007), que inúmeras são as influências do ambiente social para a formação da personalidade humana. Inegavelmente, a família é a mais importante de todas. É ela que proporciona as recompensas e punições, por cujo intermédio são adquiridas as principais respostas para os primeiros obstáculos da vida. O grupo familiar tem sua função social e é determinado por necessidades sociais. Ele deve garantir o provimento das crianças, para que elas, na idade adulta exerçam actividades produtivas para a própria sociedade, e deve educá-las, para que elas tenham uma moral e valores compatíveis com a cultura em que vivem. Tanto assim, que a organização familiar muda no decorrer da história do homem, é alterada das mudanças sociais. Nesse sentido, entende-se que a família não é apenas uma instituição de origem biológica, mas, sobretudo, um organismo com nítidos caracteres culturais e sociais.

A família como uma unidade básica da sociedade formada com indivíduos com ancestrais em comum ou ligados por laços afectivos, neste modo, a família pode então assumir uma estrutura nuclear ou conjugal, que consiste em um homem, numa mulher e nos seus filhos, biológicos ou adoptados, habitando num ambiente familiar em comum. Por família nuclear entende-se a constituída pelo tríplice pai-mãe-filhos
A família nuclear, constituída de pai, mãe e filhos, ainda é considerada como a menor unidade social, a célula que reunida às outras formará o tecido social; o lar e a vida familiar podem proporcionar, através do seu ambiente físico e social, as condições necessárias ao desenvolvimento da personalidade da criança; as influências precoces são as mais duradouras e as mais estáveis; é na família que a criança encontra, em primeiro lugar, os modelos a serem imitados (modelo de identificação); existem momentos muito adequados para a realização de determinadas aquisições, conforme o desenvolvimento maturativo da criança, e isso acontece enquanto ela está sob a custódia da família; ela é um contexto de socialização especialmente relevante para a criança.
Segundo Sousa (2007) Os diferentes papeis, as funções estão igualmente implícitas na família que tem como função primordial a de protecção, tendo sobretudo, potencialidades para dar apoio emocional para a resolução de problemas e conflitos, podendo formar uma barreira defensiva contra agressões externas. A família ajuda a manter a saúde física e mental do indivíduo, por constituir o maior recurso natural para lidar com situações potenciadoras de stress associadas à vida na comunidade
De acordo Woody (1989) citado por Mwamwenda (2005), a família pode ser vista como um sistema onde na sua totalidade é considerada maior do que a soma das partes da família, os membros e cada indivíduo é compreendido apenas no contexto de toda família. Uma mudança numa parte do membro da família afecta todos os outros membros.
Segundo Rey e Martinez (1989), citado por Dessen e Silva, (2001), a família representa talvés a forma de relação mais complexa e de acção mais profunda sobre a personalidade humana, dando enorme carga emocional as relações entre os seus membros.
A abordagem sistémica reconhece que numa família, os pais influenciam seus filhos mas também enfatiza que as crianças influenciam o comportamento e práticas educacionais de seus pais. O autor Shaffer vai mais além neste assunto considerando as famílias como sistemas sociais complexos, uma vez que constitui uma rede de relacionamentos recíprocos e alianças que estão constantemente em evolução e que por sua vez são também muito influenciados pela comunidade e pela cultura.
Em concordância com Mwamwenda, Shaffer fala também da família como uma estrutura holística que consiste em partes inter - relacionadas, cada qual afectando e sendo afectada pela outra, cada qual contribuindo para o funcionamento do todo, e acrescenta que a família é ainda um sistema dinâmico que muda com o desenvolvimento de seus membros, complexificando ainda mais as inter-relações existentes no interior deste sistema.
Sendo a família um sistema social composto por um grupo de indivíduos, cada um com um papel atribuído, e embora diferenciados, consubstanciam o funcionamento do sistema como um todo. O conceito de família, ao ser abordado, evoca obrigatoriamente, os conceitos de papéis e funções.
Em todas as famílias, cada membro ocupa determinada posição ou tem determinado estatuto, como por exemplo, marido, tem um papel, sobretudo de provisão e autoridade, mulher tem um papel afectivo e de educar, e os filhos estabelecem relações entre eles, pois, são de significativa importância; sendo orientados por papéis, que não são mais do que expectativas de comportamentos, obrigações e de direitos que estão associados a uma dada posição na família ou no grupo social.
De acordo com a WLSA Moçambique (1998), para uma compreensão de família, é forçoso levar-se em linha de conta tanto os modos que orientam a sua constituição e organização, como as representações simbólicas que lhes dá significação. É nesse processo de interacção que a adopção de valores dos membros constituintes da família, surge como um constrangimento, no sentido em que lhes fornece um conjunto de normas orientadoras de comportamentos, ou conduta que correspondem as funções e posições diferenciadas, que os determinam e definem. É nesta perspectiva que deve ser compreendido o papel social, como modelo de acção, de cada um dos membros da família, particularmente o da mulher.
A WLSA sustenta ainda que a família como corpo social, estrutura e revela os modos como as pessoas se organizam e pensam na sociedade, ao mesmo tempo que elabora estratégias de adaptação e mudança social. É neste sentido que a família deve ser entendida como actora social que reflecte os sinais exteriores da mudança social, e sobre ela actua, definindo-lhe os contornos. A família depende, na forma como se estrutura, de outros meios de pertença, quer se trate de etnia, de raça, de cultura, de classe social. E, se por um lado ela reproduz ao nível da sua própria estratificação os modelos de um espaço social mais amplo, a família, ao elaborar estratégias de sobrevivência e reprodução, é ela própria geradora de mecanismos de dominação.
Assim, pode-se entender que a família constitui o primeiro, o mais fundante e o mais importante grupo social de toda a sociedade, bem como o seu quadro de referência, estabelecido através das relações e identificações que a criança criou durante o desenvolvimento tornando-a na matriz da identidade.

2.5 Lei da família

De acordo com a Afonso (2002), a lei de família que até hoje se aplica em Moçambique foi aprovada em 1966 e entrou em vigor no nosso País por via da colonização. É uma lei antiga e descontextualizada pois não reflecte a realidade Moçambicana; é originária de Portugal tendo mesmo em Portugal sofrido várias alterações. Assenta em princípios individualistas próprios das sociedades europeias e que não se compadecem com a realidade social moçambicana.
A proposta de lei da Família procura por um lado aproximar quanto possível a lei à realidade social moçambicana, respeitar os princípios de igualdade de tratamento entre o homem e a mulher estabelecidos na Constituição e nas Convenções Internacionais ratificada por Moçambique.
É assim que a proposta inclui um conceito de família definindo-se como a comunidade de membros ligados entre si pela procriação, parentesco, casamento, afinidade e adopção.
A Proposta de Lei da Família introduz ainda artigos que regulam os direitos e deveres da família.
Na Proposta de Lei da Família o casamento deixa de ser definido como um contrato, definindo-se agora como a união voluntária e singular entre um homem e uma mulher com o propósito de constituir família mediante comunhão plena de vida.
Outra novidade introduzida na Proposta de Lei de Família é a do limite de parentesco. A lei vigente estabelece o sexto grau como limite aos efeitos de parentesco na linha colateral e propõe-se agora o oitavo grau e é eliminada a distinção entre afinidade legítima e ilegítima.
Estas disposições legais são de particular relevância na medida em que traduzem o conceito de família alargada, as obrigações dos membros e os limites dos efeitos do parentesco tendo em conta a realidade social africana e particular, a sociedade moçambicana.
A questão das modalidades do casamento mereceu atenção especial em respeito ao contexto sócio -cultural moçambicano.
Assim, a proposta de Lei da Família consagra três modalidades de casamento, designadamente o casamento civil, o casamento religioso e o casamento tradicional. Esta solução legal vem resolver o problema suscitado pela lei vigente que atribui apenas valor e eficácia jurídica ao casamento celebrado nos termos da lei civil quando a maioria da população moçambicana constitui as famílias na base da religião ou pela via tradicional.
Com o reconhecimento legal do casamento religioso elimina-se o tratamento privilegiado a alguma religião, respeitando-se assim o princípio da laicidade do Estado consagrado na Constituição da República. Por outro lado, ao atribuir-se reconhecimento legal ao casamento celebrado segundo a religião não se pretende atribuir valor jurídico ao casamento polígamo, aos casamentos prematuros ou herdados pois tais casamentos são contrários aos princípios contidos em vários instrumentos de Direito Internacional ratificados por Moçambique.
Quanto aos requisitos para a celebração do casamento, a proposta de Lei da Família introduz uma alteração no que se refere à idade núbil, estabelecendo a idade de 18 anos para ambos os nubentes – o rapaz e a rapariga, tal medida permitiu uniformizar-se a regulamentação sobre a idade.
A proposta de Lei da Família introduz também inovações importantes no que se refere à dissolução do casamento por divórcio. Propõe-se a violência doméstica como fundamento para o divórcio litigioso. A proposta inclui como novos fundamentos para a separação litigiosa a separação de facto livremente consentida por mais de cinco anos consecutivos e a demência superveniente e incurável mesmo com intervalos lúcidos.
A demência superveniente como fundamento para o divórcio é bastante questionada a nível da sociedade civil que sustenta que tratando-se de uma situação de doença é nesses momentos em que o cônjuge mais necessita do amparo do outro sendo socialmente censurável a separação.
  • O casamento como princípio de organização social
A Lei moçambicana define casamento como sendo uma união voluntária e singular entre um homem e uma mulher, com o propósito de constituir família, mediante comunhão plena da vida. O casamento pode ser civil, religioso ou tradicional. Em Moçambique, o casamento monogâmico, religioso e tradicional são reconhecidos valor e eficácia igual à do casamento civil, isto quando tenham sido observados os requisitos que a lei estabelece para o casamento civil.
No quadro do desenvolvimento de relações sociais assentes no respeito pela dignidade da pessoa humana, o Estado consagra o princípio de que o casamento se baseia no livre consentimento. O Estado reconhece e protege, nos termos da lei, o casamento como instituição que garante a prossecução dos objectivos da família.
A lei estabelece as formas de valorização do casamento tradicional e religioso, define os requisitos do seu registo e fixa os seus efeitos.
De acordo com Batalha (2005), em algumas sociedades, a ideologia do casamento diz que ele deve ser orientado pela vontade e escolha individual e livre de quaisquer constrangimentos familiares. Importa referir que este ideal está longe de ser alcançado. Noutras sociedades, o casamento é tido como um acto demasiado sério para ser deixado aos caprichos de jovens com pouca experiência de vida social. Nessas sociedades e grupos, o casamento, mais do que a união entre duas pessoas, representa o estabelecimento de uma aliança entre as famílias ou grupos de parentesco.
Nem sempre a organização social da família está dependente da existência do casamento. Uma maneira menos etnocêntrica de definir a família, de acordo com Batalha (2005), é considerá-la como sendo uma unidade constituída pela mulher, os filhos, e, eventualmente, um homem, sendo que este pode ter ou não uma relação de consanguinidade com aqueles. Esta definição mostra-se inadequada assim que começamos a lidar com novos tipos de famílias homossexuais, que podem ter filhos adoptados ou através de técnicas de reprodução cada vez mais complexas e variadas. A tradicional noção de família está cada vez mais desfasada das novas realidades sociológicas, isto porque nos tempos actuais como já havia começado a referenciar anteriormente, tem se verificado forte tendência de mudança no que diz respeito a família e sua constituição. Estamos num mundo em transformação e como não poderia deixar de ser os fenómenos deste mundo também vão sofrendo mudanças. Com isto dizer que o conceito de família existente até então pode vir a deixar de ter sentido isto porque para além de que começamos a lidar com novos tipos de famílias homossexuais, actualmente também se tem se registado maior número de solteiros, adiamento activo do casamento, menor taxa de natalidade, mais mulheres estão se inserindo no mercado de trabalho, acontece actualmente mais divórcios, cresce o número de famílias monoparentais, mais crianças vivendo na pobreza há mais recasamentos. Todos estes aspectos conjugados com os que Shaffer apresenta acima levam-nos a sentir necessidade de reformular o conceito de família.
  • Formas de casamento:
Há diversas formas de união matrimonial, são elas: a monogamia e a poligamia (poliginia ou poliandria). Aghassian, M. et all (2003)., a monogamia é a união matrimonial entre um só homem e uma só mulher. Já a poligamia é a união matrimonial entre uma pessoa (homem ou mulher) com vários cônjuges. A poligamia pode ser praticada em forma de poliginia que designa a aliança entre matrimonial de um homem com várias mulheres, ao contrário da poliandria que é a união matrimonial de uma mulher com vários homens.
Embora a monogamia seja a forma mais comum na maior parte das sociedades, inclusive na nossa sociedade moçambicana a poligamia é a forma mais praticada, especialmente na forma conhecida como poliginia.

2.6 Papel da família na sociedade


É grande a importância da família para a construção de uma sociedade estruturada, saudável e equilibrada. A Constituição da República de Moçambique de 2004, no seu Capítulo III, Artigo 119 estabelece que a família é o elemento fundamental e a base de toda a sociedade. No seu Artigo 120, estabelece que a família é responsável pelo crescimento harmonioso da criança e educa as novas gerações nos valores morais, éticos e sociais. É ela ainda juntamente com o estado que asseguram a educação da criança, formando-a nos valores da unidade nacional, no amor à pátria, igualdade entre homens e mulheres, respeito e solidariedade social.
Em relação a esta questão, Shaffer (2005) estabelece que a função mais importante de uma família em todas as sociedades é cuidar e socializar seus filhos. A socialização seria segundo ele, o processo pelo qual as crianças adquirem crenças, valores, e comportamentos considerados apropriados e importantes pelos membros da sua sociedade.

Segundo WLSA Moçambique (1998), a família como agente da socialização produz e reproduz valores, regras e sanções, que visam desenvolver coesão, independentemente do meio de pertença.
Shaffer (2005), acrescenta que é a família que possui uma função inicial importante no que se refere à socialização infantil. A família serve de instrumento primário de socialização visto que os eventos dos primeiros anos são tão importantes para o desenvolvimento social, emocional e intelectual.
Aghassian, M. et all (2003). diz que a família tem como função primordial a de protecção, tendo sobretudo, potencialidades para dar apoio emocional para a resolução de problemas e conflitos, podendo formar uma barreira defensiva contra agressões externas. É visto aqui que a família ajuda o indivíduo a manter uma boa saúde física e mental, a lidar com as diversas situações da vida, situações de stress por exemplo e outras situações difíceis a que se pode atravessar. Neste contexto, Mwamwenda (2005) argumenta dizendo que é na família que os indivíduos encontram suporte e apoio emocional de que necessitam para recuperar-se de várias doenças.
Dioma e Vilela (2005), afirmam que desde sempre, a família surgiu como um lugar onde se aprende a viver, ser e estar, e onde se começa o processo de consciencialização dos valores sociais inerentes à sociedade e sem os quais esta não consegue subsistir. É neste ambiente que o indivíduo aprende a respeitar os outros e a colaborar com eles.
A família surge com direitos e deveres. Estes deveres estão consagrados na Constituição da República, nos valores sociais e morais respectivos à sociedade. Os pais dão vida aos filhos, a partir daqui cabe a eles dar-lhes o apoio de que necessitam, a educação e as condições necessários para o seu crescimento saudável.

2.7 Papel do Psicólogo no meio familiar

Visto que a família é o elemento fundamental e a base de toda a sociedade, pois tem grande importância para a construção de uma sociedade estruturada, saudável e equilibrada. Há necessidade de preservá-la.
Neste contexto o psicólogo é chamado a intervir. Assim, no meio familiar, o psicólogo pode ser uma figura de extrema importância para a família, visto que ele pode, em situações difíceis, por exemplo, violência, fraca comunicação entre os membros da família, divórcio; só para citar, o aconselhamento familiar pode contribuir para reforçar a coesão entre os membros de uma certa família, despertar nela a necessidade de ajuda mútua entre eles, por forma a que cada um dos seus membros providencie ao outro apoio e suporte social, de modo a que cada um seja capaz de ultrapassar os vários problemas que possam vir a surgir ao longo do seu percurso, ou seja ao longo da sua vida.
No meio familiar, de acordo com Mwamwenda (2005), o psicólogo pode contribuir para melhorar a comunicação e as relações entre os membros de uma família de forma a aumentar o crescimento individual de cada membro desta, enquanto se alcançam interacções equilibradas e saudáveis entre os membros de uma família.
Segundo Cesca (2004), o campo da violência doméstica é um “terreno movediço”, e tal como argumenta Miranda (1998), diante do número imenso de variáveis culturais e psíquicas, torna-se muito complexa a tarefa de bem lidar com este problema. Pode-se pensar na violência intrafamiliar como toda acção ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade da família. Pensando nesta família como doente – o autor sustenta a ideia de que famílias que sofrem esses maus tratos carregam sofrimento psíquico, ou seja, são portadoras de transtornos mentais, dai que evidencia-se nestes casos, a necessidade de auxílio, para a possível reestruturação familiar.
Para Cesca (2004), deve-se ter em conta a necessidade de assistência ou tratamento ao sujeito abusador e abusado; há que haver um envolvimento maior com o social, pois não se pode descolar a violência do contexto social em que ela está inserida.
Viana e Almeida (1990), citados por Fonseca (s/d), afirmam que é importante colaborar na implementação de programas de prevenção e promoção da saúde utilizando uma abordagem comportamental, a compreensão dos problemas psicológicos e de saúde da criança numa perspectiva desenvolvimentista, planear intervenções em crianças de risco, colaborar no tratamento, recuperação e apoio à criança doente e à sua família e, finalmente, participar na investigação aplicada dos factores psicossociais associados à saúde e à doença. Vemos, assim, que o objectivo do psicólogo pediátrico não consiste em intervir exclusivamente na criança doente e família, mas também na criança saudável em risco e, não se restringe a uma acção de avaliação e diagnóstico, mas cada vez emocional (crianças com problemas de desenvolvimento, crianças de famílias desfavorecidas), através da identificação dos factores físicos, comportamentais e do meio que podem levar ao aparecimento de doenças ou problemas psicológicos, favorecendo um desenvolvimento familiar saudável e minimizando desarmonias emocionais graves.

Fonseca (s/d), o objectivo do psicólogo pediátrico centra-se na Promoção da Saúde e na intervenção precoce e rápida na resolução de problemas de índole psicológica e psicossocial que surgem em contexto pediátrico, e na investigação. Focaliza a sua acção na criança, família e equipa médica.
O papel do psicólogo na família visa também integração dos deficientes mentais e físicos, identificação e padrão de relacionamento, criar a aceitação do indivíduo e valorização de seus pontos positivos, e ao mesmo tempo estabelecimento de limites e consciencialização de suas áreas de dificuldade ao deficiente bem com a família.

III. CONCLUSAO

Tendo chegado ao fim do trabalho, resta-nos evidenciar as aprendizagens concebidas, dizer que a família é o primeiro espaço onde o individuo se insere e o qual ajuda na promoção de ser pessoa. É neste contexto que ele se conciencialisa dos seus papeis primários e onde se inicia o processo de socialização primaria (transmissão de valores, hábitos e costumes, e tradições entre gerações), que o leva à articulação com a comunidade.
Actualmente verifica-se o surgimento de novos estilos de família como: homossexuais e monoparentais que trazem a necessidade de redifirmos a família. No entanto, os africanos têm a concepção de famílias alargadas (colectivistas) que se difere da europeia restrita (individualista).
Vai ser muito difícil contornar o aspecto poligamia em detrimento de monogamia, visto que há tendência de existir maior numero de mulheres no mundo e crescente, e porque muitas das vezes a mulher que ou deseja construir um lar próprio acaba por se sujeitar a um homem já casado e ter que partilha-lo com outra ou outras mulheres. Dai que realmente, a monogamia era o desejável mas a poligamia em forma de poliginia como havia sido referenciada no texto vai continuar a dominar as sociedades ou então ainda continuaremos a assistir a um crescente número de famílias monoparentais e cada vez mais e mais solteiros.
















IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Aghassian, M. et all (2003). Os Domínios do Parentesco: Filiação. Aliança matrimonial. Residência. Lisboa – Portugal: Edições 70.
Batalha, Luís (2005). Antropologia Uma perspectiva holística. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
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Burguière, A. at all (s/d). Historia da Família – o choque das modernidades: Ásia, África, América, Europa. Editora Terramar, 3º volume.
Mwamwenda (2005). Psicologia Educacional: Uma Perspectiva Africana. Maputo: Texto Editores.
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WLSA Moçambique (1998). Famílias em contexto de mudança em Moçambique. Maputo: Impressa Universitária,
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Cesca, T. B (2004). O Papel do Psicólogo Jurídico na Violência Intrafamiliar: Possíveis Articulações disponível em http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/12667/12231 acessado em 08 de Abril de 2010

Dioma, S. e Vilela, C. (2005). A Importância que a Família exerce na Sociedade. Disponível em http://4pilares.zi-yu.com/?page_id=314 acessado no dia 02 de Marco de 2010
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Fonseca, M. T. A (s/d). O papel do Psicólogo Pediátrico disponível em
Garcia, F. M. G. P. P. (2001). Análise Global de uma Guerra (Moçambique 1964-1974). Os povos de Moçambique e o seu comportamento no confronto. O relacionamento das comunidades sócio-religiosas de Moçambique com o Poder português e com a subversão. Disponivel em http://www.triplov.com/miguel_garcia/mocambique/capitulo3/1povos.htm acessado no dia 16 de Abril de 2010
Nogueira (s/d).O que é ser família? Há momentos que somos de facto uma família e em outros qualquer coisa menos uma família disponível em http://www.pimenet.org.br/missaojovem/mjeducser.htm a cessado em 13 de Marco de 2010.

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Conceito de Mulher: Perspectiva africana


1. Introdução
O presente trabalho, surge no âmbito da cadeira de Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicológicos, e tem como objecto a mulher. O trabalho tem como objectivo fazer uma análise da visão que as diferentes sociedades têm em diferentes épocas do que é ser mulher, e dos papéis que são a ela atribuídos em cada contexto sócio-cultural.
O trabalho é de grande importância, pois como psicólogos é necessário conhecer e entrender todo o conjunto de valores e expectativas ligadas à mulher, assim como os preconceitos ligados a ela, que podem contribuir positiva ou negativamente na estruturação da sua personalidade, ocasionando auto-estima baixa e levando à inibição das suas ambições por exemplo.
Ao longo do trabalho, são abordados assuntos ligados a mulher, começando pela conceitualização sob perspectiva de um psicólogo clássico ocidental (Sigmund Freud), na visão ocidental actual e também na prespectiva moçambicana; passando pela análise da construção social do conceito, onde discute-se a socialização como sendo o factor primordial para a construção do conceito mulher; por fim faz-se a descrição de alguns ritos e tradições que envolvem a mulher na zona sul de Moçambique (a escolha desta região deveu-se ao facto da bibliografia consultada não abordar outras zonas do país).
A metodologia utilizada para a realização trabalho, foi a revisão bibliográfica; o trabalho aqui apresentado é o resultado do que foi consumido da leitura e análise de várias obras, cujas referências se encontram no fim do trabalho.
2. Conceito de Mulher
Uma mulher (do latim mulier) é um ser humano do sexo feminino,que atinge a fase adulta após percorrer a infância e a adolescência. O termo mulher é usado para indicar tanto distinções sexuais biológicas quanto distinções nos papéis sócio-culturais; e é com base nestes papéis sócio-culturais que são contruídos diferentes conceitos de mulher em diferentes contextos. (Wikipedia).
A situação real das mulheres não é idêntica em todas as sociedades e em todos os tempos. Este aspecto é analisado de seguida: são abordados diferentes conceitos de mulher existentes em diferentes contextos e em diferentes tempos.

3. Uma Análise Comparativa – Conceito de Mulher com base na Psicologia Clássica de Freud, no Contexto Ocidental e na Realidade Moçambicana

3. 1. Conceito de Mulher com base na Psicologia Clássica de Freud
Para Freud, cada um aprende a assumir a sua realidade sexuada ou, a resignar-se a ela, quando se trata da menina. Para ele, a menina é diferente do rapaz, sendo inferior a este, privada como está do pénis que lhe falta, de que tem "inveja". O sexo feminino é definido negativamente em relação ao sexo masculino. Tornar-se mulher é aceitar não ser homem. Em linhas gerais, o pensamento freudiano, sublinha o dimorfismo, ou mesmo a dissimetria, dos sexos: não há libido senão masculina.
Além disso, a psicologia Freudiana, valoriza muito o papel da mulher – mãe como personagem central da família, responsável pela saúde e equilíbrio dos filhos. Neste sentido, se o corpo da mulher, fora feito para gerar filhos, não seria então natural que uma mulher não os tivesse, não os amamentasse, não fosse inteiramente devotada a eles. Logo, foram criados apenas dois modelos rígidos como opção para as mulheres: a que seguia a sua "natureza" e era naturalmente submissa, devotada, bondosa, comedida, discreta, boa mãe, boa filha, boa esposa, obediente, entre outros; e a que não seguia a "natureza" e não era vista com bons olhos pela sociedade. (Martins, 2006).
Ao longo da história, a teoria Freudiana sofreu alterações e ampliações de conceitos. E aqui pode-se rever a postura comum actual, de que as mulheres sempre foram representadas por homens, nas diversas ciências. Na verdade, as mulheres também foram representadas por mulheres, como as psicanalistas discípulas de Freud, que pensaram como e a partir das representações masculinas. Muitas das que foram consagradas e saíram do anonimato foram justamente aquelas que souberam desenvolver as teorias dominantes da época sem romper com a sua base masculinizante, patriarcalista e repressiva. (Martins, 2006).
Analisando, a psicologia clássica de Freud, pode-se observar que nas sociedades Ocidentais antigas, tinha-se o conceito de mulher, como sendo inferior ao homem, cujo papel principal era apenas o de maternidade. Aliáis, segundo Heritier, F. (2002), as raras valorizações do feminino que houve nos tempos antigos eram baseadas, na sua maioria, na noção de maternidade. Assim, as mulheres estéreis eram facilmente repudiadas. Eram também repudiadas as esposas que só dessem à luz raparigas. Em muitas regiões do mundo a única criança que conta é o macho. Diria-se com facilidade que um homem não tem crianças, se só tem filhas.

3. 2. Conceito Ocidental Actual de Mulher
Com toda a sua inegável contribuição ao campo da sexualidade, iniciada na segunda metade do século XIX, a concepção de Freud apoia-se num tipo de pensamento conservador e dominante do seu tempo. Conservador e dominante porque segundo Martins, V. (2006), 26 anos antes do nascimento de Freud, Charles Fourier já esboçava um certo progressismo quando escrevia em seus textos que o progresso e a felicidade de toda a humanidade se fazem em relação ao grau de liberdade das mulheres. Karl Marx já afirmava em A Ideologia Alemã, em 1842, que o trabalho assalariado representaria o primeiro passo para uma autonomia das mulheres.
O conceito Ocidental de mulher nem sempre foi, como é actualmente. Nas sociedades ocidentais tradicionais a mulher era considerada inferior. Por exemplo, segundo Machado, F. (2010) em Atenas (na Grécia Antiga), as mulheres, assim como os escravos, não eram consideradas cidadãs.
Na Europa do século XVII, as mulheres não diferiam dos escravos e os abusos físicos a que eram submetidas pelos maridos eram considerados fora do âmbito das Leis. A educação das mulheres era malvista, pois eram consideradas inferiores aos homens.
Mais tarde, em pleno movimento iluminista, o Francês Condorcet, reivindica publicamente o direito de participação política, emprego e educação para as mulheres. Lucrécia Mott levanta sua bandeira de luta pela igualdade de direitos para as mulheres e os negros nos Estados Unidos em 1848. Ela denuncia as restrições, contestando também o facto de a mulher não poder votar nem filiar-se a organizações políticas. (Pigatto, 2008).
Assim, com o tempo, foram surgindo mais e mais reivindicações e a mulher foi aos poucos conquistando novos papéis na sociedade moderna, e a desempenhar novas tarefas, que antes eram reservadas apenas aos homens. Isto é o que se observa na actualidade, pelo menos nas regiões urbanas de praticamente todos os países do mundo.
Mesmo assim, segundo Heritier, F. (2002), a mulher continua ainda a sofrer em todos os lugares do mundo uma certa discriminação política: o último bastião contra o direito de voto das mulheres, a Suíça, só caiu na última década; em França, as mulheres só têm este direito em 1944. Porém, se o direito de voto está conquistado, o direito e sobretudo a possibilidade oferecida às mulheres de serem eleitas não estão. O lugar das mulheres é muito restrito nos governos e nos gabinetes ministeriais onde se exerce o poder executivo. Em 2000, em 190 países, havia apenas 6 mulheres à cabeça do Estado, 3 com uma mulher como primeira ministra, e 48 países não tinham nenhuma mulher no governo. As mulheres são também, mais atingidas do que os homens pelo desemprego e pelo emprego parcial.
Além desta discriminação política e profissional, a mulher sofre também uma discriminação educativa e científica: segundo a UNESCO, dois terços dos 875 milhões de analfabetos no mundo são mulheres. O mundo das ciências tinha vindo sempre a ser construído, como um mundo sem mulheres, com proibições explícitas e legitimadas por um discurso sobre a inferioridade intelectual das mulheres. (Heritier, 2002).

3. 3. O Conceito Moçambicano de Mulher
No contexto moçambicano tradicional, a mulher é vista como uma pessoa que desempenha principalmente dois papéis: ser esposa e mãe. A ela são atribuídas apenas tarefas domésticas. O trabalho e a emancipação da mulher é vista como não tendo uma necessidade aparente, pois existe a ideia de que se as mulheres têm uma aptidão para fazer filhos, devem limitar-se exclusivamente a este papel e aos seus anexos de amamentação e serviço. As mulheres não são vistas nem tratadas como sujeitos de direito, como os homens são. (Heritier, 2002).
Pode-se observar, que este conceito de mulher existente nas sociedades tradicionais de Moçambique, é semelhante ao conceito que existia nas sociedades antigas do Ocidente, antes do processo de emancipação da mulher.
Actualmente, mesmo em Moçambique, para além das comunidades tradicionais que têm esta visão de mulher, já houve um progresso, e existe, principalmente nas zonas urbanas, uma visão diferente com aceitação da emancipação da mulher.
A FRELIMO, desempenhou um papel de grande importância para a ocorrência da emancipação da mulher em Moçambique. Foi no início da luta nacionalista que pela primeira vez foi defendido o princípio de igualdade entre homens e mulheres. A FRELIMO tinha como objectivos principais garantir uma definição clara da inserção da mulher no contexto do movimento da luta nacionalista, porque apercebeu-se que só quando o povo mulher fosse livre, estaria assegurada a própria libertação do povo homem e do povo moçambicano em geral.
Foi impelida pela visão de que as mães têm um papel inestimável na modelação positiva duma sociedade, que a FRELIMO proclamou que o sucesso da luta pela independência dependia fundamentalmente do sucesso da emancipação das mulheres moçambicanas; daí que, com o empenho abnegado, as próprias mulheres que se viam sendo salvas, tudo fizeram para se ir quebrando as barreiras coloniais e machistas que as impediam de desempenhar a sua quota-parte no país, tendo passado a estar também em todas as frentes que a luta impunha a todos os moçambicanos, independentemente do seu sexo. Hoje, volvidos apenas quase 50 anos, a mulher moçambicana quebrou as amarras e desfruta já da luz do sol, estando presente em todas as esferas da vida de onde antes era repelida com fúria e desdem.

4. O processo de Socialização como factor chave na construção do Conceito de Mulher
Segundo pesquisadores e historiadores, desde o inicio da civilização , o homem busca viver em sociedade, grupos ou clãs. Nestes clãs, o mais forte dos homens se destacava para liderar os outros na caça, e as mulheres eram somente para a continuação da espécie. Os filhos homens gerados seguiam os passos do pai e as meninas da mãe.
Na Idade Média, a mulher é vista como procriadora, cabendo a ela criar e educar os filhos. Os homens da casa eram enviados para internatos para serem educados, cabendo tão somente a mulher administrar a sua casa, cuidar do seu marido, e dar ordens à criadagem. A sociedade não permitia que as mulheres se manifestassem em público, para expor suas ideias e pensamentos; a mulher não podia tomar a frente em um parlamento, isso era considerado um ultraje aos homens.
Mesmo com a evolução do homem a sua ideia de liderança ainda permanece, muitos ainda não aceitam ser comandados por mulheres porque acham que lugar de mulher é “pilotando um fogão ou um tanque de roupas”. O homem sempre foi considerado o sexo forte e a mulher o sexo frágil, cabendo ao homem o sustento da casa.
(Sayão, 2009).
O conceito de mulher como já foi inicialmente referido, varia de sociedade para sociedade, ou seja, depende dos valores culturais de cada sociedade. Desta forma cada sociedade atribui os papéis que acha adequados para cada um dos sexos, e esta distribuição de papéis começa desde a nascença no meio familiar.
Segundo Amâncio, L. (1998), os papéis sociais referem-se às normas de comportamento que no seio da família, se traduzem tradicionalmente numa distribuição de tarefas. É inicialmente na família que a mulher aprende o que deve ou não fazer, quais os seus papéis, e como deve se comportar quer no seio familiar, assim como na sociedade em geral. A divisão “universal” dos papéis entre os sexos no seio na família parece contribuir, de facto, para a estruturação dos esteriotipos sexuais.
Os papéis e a distribuição de tarefas, enquanto padrões comportamentais desejáveis contribuem, para que as crianças diferenciem perceptivamente as actividades masculinas e femininas sob forma do que devem fazer os homens e as mulheres. Segundo Amâncio, L. (1998), de entre várias subcategorias de mulher, a que se reúne maior consenso nos traços utilizados pelos sujeitos para a sua descrição é a de mulher dona de casa.
Em todas as sociedades, ao homem são mais frequentemente atribuídos comportamentos agressivos (estes são vistos como sendo normais e aceitáveis nos homens), enquanto a capacidade de perdoar e harmonizar são vistas como sendo mais das mulheres. Estas imagens são incutidas nas pessoas desde a infância – pode-se observar isso, por exemplo, através da diferenciação dos brinquedos que são oferecidos aos meninos e às meninas; aos meninos são frequentemente oferecidos brinquedos como pistolas, bonecos de soldados; além disso os meninos jogam videogames que mostram lutas entre pugilistas, o que é muito raro entre as meninas. Às meninas são atribuídos comportamentos de passividade, tranquilidade e calma. Estas imagens criadas desde a infância, influenciam aquilo que será o comportamento tanto dos homens, como das mulheres na idade adulta, tendo interiorizado estes atributos.
Como exemplo das consequências desta interiorização, Osorio, M. (2000) refere que nas sociedades tradicionais de Moçambique, a violência contra a mulher, mesmo com danos, é representada pelos agentes de justiça como natural e culpabiliza-se a mulher, como o afirma um juíz de um tribunal comunitário de Tete: “hoje as mulheres não conhecem o seu lugar, não é como antigamente em que sabiam viver em harmonia.
A mesma autora refere que em algumas regiões do centro de Moçambique, as queixas de adultério cometidos por mulheres são feitas pelos maridos contra os amantes e nunca contra a mulher, pois é considerado vergonhoso, já que o homem é mais forte e poderoso e deve poder resolver a situação em casa (envolvendo muitas vezes a violência). Além disso, quando existe uma situação de abandono do lar pelo homem, e expulsão da mulher por motivo de agressão, a situação da mulher abandonada, é agravada pelo facto de socialmente não lhe ser reconhecido o estatuto de chefe de família, sendo mais vulnerável a violação dos direitos.
5. Tradições e Ritos Moçambicanos que envolvem a mulher (Região Sul)
5. 1. Antes do casamento
As raparigas Rhongas desde pequenas imitam tudo o que vêm a mãe fazer: cozinhar, apanhar a lenha, cuidar do marido e cuidam das suas bonecas como vêm as mulheres a cuidarem dos bebés.
Antes do casamento, as raparigas fazem jogos especiais, onde vão aprendendo qual é o seu papel na sociedade. Nuns jogos elas desempenham o papel de mãe, noutros elas aprendem algumas canções que permite ter uma boa colheita. (Junod, 1996).
Portanto, as raparigas aprendem a ser e a estar na sua sociedade, adquirem valores e costumes desde muito cedo de uma forma lúdica.

Costumes relativos à nubilidade
Ao tornar-se núbil, a rapariga separa-se da sua povoação, começa um período de margem que dura um mês. Durante este período, as raparigas são fechadas, atormentadas, beliscadas e arranhadas pelas mulheres mais velhas, pois neste período a rapariga é vista como sendo impura e nenhum homem deve-se aproximar dela. Também, cantam-lhes canções obscenas e ensinam-lhes segredos do seu sexo.
Este rito pretende mostrar a rapariga, que ela entrou para uma fase em que se torna impura e, alguns costumes específicos devem ter lugar.
Após a passagem por este rito, a rapariga volta a sua povoação, e nesse exacto momento se a iniciada foi já comprada pelo lobolo, a mãe leva-a ao futuro marido. Portanto, este rito significa a agregação da rapariga à sociedade adulta.
Os clãs pedi-suthu do Transval praticam também este rito, porém existem três outros costumes que se relacionam a este rito: a tatuagem, o de limar os dentes em ponta e o dos mileve (tem o objectivo de fixar a imaginação da rapariga sobre as relações sexuais). A operação da tatuagem é dolorosa, as raparigas choram, e só com pesar se submetem a ela, pois para os Rhongas, a tatuagem torna a rapariga mais bonita. (Junod, 1996).
É neste período que a rapariga torna-se mulher e, deve submeter-se aos ritos que a tornam mais bonita, de modo a ser apreciada e a arranjar um pretendente.

5. 2. Casamento e vida conjugal
Condições de casamento
Na tribo bantu primitiva, todas as raparigas se casavam, umas porém mais depressa que as outras. Os homens preferiam raparigas com membros vigorosos, estatura elevada, seios muito desenvolvidos, uma cara comprida, tom claro, com disposição para o trabalho e com ausência total de feitiçaria na família. O casamento é aceite a partir do pagamento do lobolo, quanto mais atributos a rapariga tiver, maior são as exigências do pagamento do lobolo. O casamento e os filhos são as únicas coisas oferecidas à mulher. A poligamia é algo comum nesta região. (Junod, 1996).



Tabus femininos especiais
Antes do primeiro parto, as raparigas não devem comer porco, lebre e antílope. O lábio superior de qualquer espécie de animal é–lhes igualmente proíbido, da mesma maneira a língua e o recto dos animais. As mulheres devem também abster-se de comer carne de porco-espinho e de macaco, pois os filhos parecer-se-iam com estes animais. Não devem igualmente comer ovos, pois o filho poderia nascer calvo e permanecer assim para sempre, ou no momento do parto ela poderia comportar-se como a galinha que corre de um lado para o outro antes de pôr o ovo.
As raparigas núbeis não devem aproximar-se e nem olhar para os bois durante o tihweti, pois eles poderiam sofrer e apanhar uma pneumonia. (Junod, 1996).

Casamento e vida conjugal
Uma mulher tsonga não pode imaginar a vida sem o casamento. Os pais previnem a rapariga que neste novo período da sua vida, poderá ser maltratada, acusada de feitiçaria e de adultério; por ter sido paga, a mulher é colocada num estado de inferioridade.
Há muito pouca intimidade entre o casal, o homem fica mais com os amigos na bandla, o largo da povoação, que lhes serve de lugar de reunião, e só raramente vai a palhota da sua mulher. A primeira mulher é a mais respeitada, a chamada “mulher grande”, as outras são “mulheres pequenas”.
Durante o período de mestruação, a mulher torna-se num dos tabus mais temidos e nenhum tipo de relação é permitido. O homem não deve comer a comida feita pela mulher e nem dormir na mesma esteira que ela. Se o homem transgredir essa lei, cai doente. (Junod, 1996).

Esterilidade, gravidez e o aborto
Quando uma mulher não tem filhos, os Tsongas oferecem um sacrifício aos deuses-antepassados, pois acreditam que estes são os responsáveis por enviar filhos. Fora do rito religioso, os doutores indígenas têm numerosas drogas para remediar essa infelicidade. Se o problema permanecer, a mulher é desprezada e devolvida para casa dos seus pais. Os pais da mulher devem arranjar uma irmã ou uma parente mais nova que a esposa para dar ao marido como segunda mulher.
Os Tsongas não consideram a gravidez período tabu, as relações sexuais são recomendadas, pois ajudam no desenvolvimento do feto.
O aborto é muito temido pelos sul africanos, uma mulher que teve um aborto é impura, pelo menos durante três meses, é necessário que as regras tenham aparecido pelo menos três vezes e a tenham purificado, para que o marido recomece a ter relações sexuais com ela. (Junod, 1996).
Além disso, o período de vusahana, que vai desde o parto até a queda do cordão umbilical, é muito receado. Quando se trata do primeiro filho, realiza-se o rito do kukunga. A criança é chamada n’wana wa mativula, a responsável por tornar a mulher mãe. Qualquer pessoa que quiser pegar a criança ao colo, deve pagar uma pequena quantia, mesmo que se trate de alguém da família, como uma forma de demonstrar a alegria por terem recebido um recém-nascido. O pai não está sujeito a esta regra, pois “a criança pertence-lhe”.
Quando a mulher perde uma criança (wa kufeliwa), é profundamente contaminada pela impureza da morte; ela própria deve enterrar o filho, sem ajuda do marido. Durante o luto, as relações sexuais são interditas à mulher, e o marido só poderá purificá-la depois de ter tido a mestruação por duas ou três vezes. O homem não usa o vestuário de luto, só a mulher o faz. Pelo desgosto da morte do filho, o marido tem o direito de acusar à mulher de feiticeira e que, pelo poder mágico comeu o próprio filho, o que pode muitas vezes acabar em divórcio. (Junod, 1996).

5. 3. Adultério
Entre os Tsongas, quando o homem mantém relações com uma mulher solteira, se não engravidar, não constitui um problema; mas se engravidar, o homem será apenas obrigado a casar. Um homem só é considerado adúltero quando tem relações com uma mulher casada, pois a mulher casada tem um dono (n’winyi), foi paga. Se o marido descobre, o adúltero deve pagar um lobolo inteiro ao marido da mulher adúltera. A mulher só é punida pelo marido e violentada, se for apanhada em flagrante.
O adultério muitas vezes constitui a causa de divórcio, em casos da mulher preferir abandonar o marido e ir viver com o amante. O marido abandonado vai imediatamente reclamar o lobolo. Os pais devem arranjar de imediato, nem que isso leve a dissolução do casamento do próprio filho. As outras causas do divórcio podem ser: a incompatibilidade de carácter, uma acusação de feitiçaria e a esterilidade. (Junod, 1996).
Analisando estes ritos, pode-se ver que a mulher é tratada como um objecto, visto que o marido tem o direito de ter amantes, porém ela não deve; no caso de ela ter algum amante, é reclamada uma quantia ao amante desta; assim, com um certo valor monetário as pessoas compram a dignidade da mulher.

5. 4. Viúvez
Qaundo um homem morre, as suas mulheres, sobretudo a primeira mulher, são contaminadas pela impureza da morte e, devem praticar cerimónias purificatórias especiais. Essas mulheres tornam-se propriedades da família do marido, fazem parte dos seus bens e, deverão ser repartidas pelos herdeiros. É considerado tabu um irmão mais velho herdar uma das esposas do defunto, pois é um pai para elas e não um marido. Portanto a partilha é feita da seguinte maneira: a mulher principal pertence ao irmão a seguir ao defunto, a segunda é atribuída ao segundo irmão, a terceira ao terceiro, a quarta ao ntukulu, ao filho da irmã do defunto e quinta será, então, do filho mais velho do morto. Porém para este último caso, respeita-se mais ou menos os sentimentos das duas partes.
A mulher mais velha, pode recusar ser adjudicada a um dos cunhados, mas não lhe será dada a permissão para se casar com alguém fora da família. Quanto as viúvas mais novas, é muito possível uma excepção à regra ordinária, se elas insistem em escolher um outro marido.
Antes de poderem voltar a vida normal, as viúvas passam pelo rito do kulahla khombo, para se desembaraçarem da morte. Antes da viúva poder ser mulher do novo marido, deve ter relações sexuais com um outro homem (chicombo), para que este tome sobre si a maldição. Entretanto, as viúvas velhas, que são incapazes de arranjar amantes podem ser purificadas por meio de drogas. (Junod, 1996).

5. 5. A velhice e a morte da mulher
As mulheres de idade e decrépitas são desprezadas, pois já não sendo capazes de trabalhar, tornam-se num fardo para os filhos.
A morte da mulher é acompanhada dos mesmos ritos que a morte do homem, porém, existe um costume dos mahloko, que tem lugar quando a mulher morre na flor da idade. Neste rito, os irmãos da defunta reclamam pela outra parte do lobolo, caso este não tenha sido pago por completo e, caso a defunta tenha deixado um filho. Porém, a família do viúvo tem o direito de reclamar a restituição do lobolo completo ou a oferta de uma irmã mais nova da defunta, quando a defunta não lhe deixou um filho. (Junod, 1996).
Mais uma vez pode-se notar que as mulheres são tratadas como objectos, sendo divididas entre os membros da família do marido como bens materiais. Para além disso, após a morte da mulher, o marido tem o direito de pedir o reembolso do valor pago no lobolo, caso a mesma não tenha sido útil para ele e para a sua família. Da mesma forma, a família dela trata-a como um fundo lucrativo.

5. 6. Um exemplo concreto
O exemplo concreto de um ritual moçambicano, foi descrito por uma rapariga Macua, de 18 anos de idade. Segundo ela, este ritual é feito quando as raparigas tornam-se núbeis, com o objectivo de iniciar a rapariga à vida adulta, mostrá-las quais são as suas responsabilidades e, quais são os tabus característicos da sua etnia. Este ritual não é feito as raparigas que já tenham filhos, por mais que sejam mães adolescentes.
O ritual tem a duração de uma semana e, deve-se fazer sempre colectivamente, juntando quatro à cinco raparigas num determinado espaço.
No primeiro dia, as raparigas são chamadas e trancadas num quarto, onde são ensinadas algumas canções e danças que irão representar no dia do ritual. Os ensaios duram até o dia do ritual, que será quatro dias depois. Um dia antes do ritual, as raparigas são trancadas numa palhota, longe da povoação, apenas uma mulher deves-lhes trazer as refeições.
No dia do ritual, as raparigas acordam bem cedo, através de sons de tambores (ekhoma). O ritual é realizado num quintal e, só devem participar mulheres que já tenham passado por este ritual, não é permitida a entrada de nenhum homem.
Fazem com que as raparigas sentem numa esteira, em fila e com os pés esticados. Em frente delas está a matriarca, que fala em língua local os ensinamentos sobre os deveres das raparigas, fazendo ver à elas, que já entraram para a fase adulta e, que devem proteger-se dos homens e ter mais responsabilidade, em termos de cuidar da casa dos pais e cuidar de si mesma, pois o dia dela ter a sua própria casa e a sua própria família está próximo. As raparigas passam o dia todo sentadas somente a ouvir e, não devem por hipótese alguma dobrar as pernas, pois mostra um certo desrespeito perante a matriarca.
Quando anoitece, as raparigas são levadas novamente para a palhota, onde vão descansar por algumas horas. No dia seguinte, as três da manhã, veêm acordá-las, vestem-lhes folhas de bananeira e pintam-lhes a cara com mussíro (uma massa branca, feita com o tronco de uma determinada árvore) e carvão. Começam a dançar e a cantar com as mulheres mais velhas aos sons de tambores. Quando o dia clareia, levam as raparigas para o mato, onde terá lugar um outro ritual, com o objectivo de ensinar a rapariga a ser forte e a conseguir ultrapassar todos os obstáculos da vida, sem medo. Quando as raparigas voltam do mato, são feitos mais alguns rituais dentro do espaço do ritual, tudo no mais puro mistério, a rapariga não sabe o que lhe vai acontecer, até que viva e veja com os seus próprios olhos. Nesse dia não se dorme, dança-se e canta-se até o dia raiar. É proíbido durante este período que a rapariga cuide da sua higiene. Quando amanhace, as mulheres mais velhas, chamam as raparigas uma por uma e, dão-lhes banho de purificação, em frente dos convidados. De seguida, as raparigas vão usar as suas melhores capulanas (um veste muito usado na região) e, quando saem da palhota, são recebidas com júbilo e com gritos característico dos Macuas. São cumprimentadas pelas mulheres da família e pelas convidadas, é um momento de alegria, pois as raparigas cresceram e entraram para uma nova fase da vida.
O ritual é encerrado com uma grande festa, é nessa festa que as raparigas vão cumprimentar os seus pais e, os outros membros homens da família, apresentando-se como numwari (donzela).
Analisando estas informações fornecidas pela rapariga macua, pode-se observar que os rituais à volta das mulheres em todo o país não diferem muito entre as regiões; embora nem todos os aspectos sejam comuns em todas as regiões, a essência do ritual é a mesma: preparar a mulher para a vida adulta, para a vida conjugal, purificá-la e mostrá-la que está a entrar para uma nova fase da vida, na qual novos hábitos e costumes começam a ter lugar.



6. Aprendizagens Feitas
Em todo o mundo e em todas as sociedades sempre existiu uma visão da mulher como sendo inferior. Este aspecto não é exclusivo a uma só cultura; porém como as sociedades progrediram e evoluiram, umas mais rapidamente, e outras lentamente, esta visão já se encontra ultrapassada em algumas sociedades, e em outras ainda persiste.
Os papéis que as mulheres desemepenham actualmente em cada sociedade (as maiores divergências existem entre as sociedades mais tradicionais e as sociedades mais modernizadas) constroem aquilo que é o conceito de mulher nessa sociedade, o que é o “ser mulher” nessa sociedade. Assim, uma mulher que numa sociedade se consideraria muito inteligente e importante, numa outra sociedade poderia ser vista como leviana e como alguém que não conhece o seu verdadeiro lugar.
Essa imagem do “verdadeiro lugar da mulher”, nasceu provavelmente, por ser a mulher que dá à luz as crianças e as amamenta, e por isso era necessário que estas tivessem um estilo de vida mais sedentário, e se ocupassem com tarefas menos pesadas em relação aos homens, além de terem que permanecer com os filhos para alimentá-los e cuidar deles.
As mulheres e os homens têm características biológico-fisiológicas, físicas e psicológicas diferentes por natureza; e esta natureza diferente lhes impõe funções e possibilidades diferentes. As mulheres são diferentes dos homens, e cada um destes grupos tem características específicas, não sendo por isso, uns superiores ou inferiores aos outros, mas sim, estas características devem ser vistas como sendo complementares para a criação de uma sociedade evoluída e ideal.

7. Conclusão
Em jeito de conclusão é importante frisar que a mulher tem travado diversas “lutas”, para alcançar a sua independência profissional e humana. Em tempos atrás não se podia imaginar com tanta precisão, que a mulher lutaria e conquistaria um espaço saliente na sociedade, sendo vista com capacidades de exercer papéis que nunca antes havia exercido, sem deixar de ser o que ela sempre foi: esposa e mãe. Portanto, mesmo com as mudanças sociais que estão ocorrendo em direcção a levar a mulher a adentrar no espaço público com mais freqüência e força, não se alterou o conceito de identidade feminina construído ao longo da história da humanidade. Ocorreu, no entanto, uma ampliação dos significados que compõem este conceito para que as novas funções sociais pudessem participar desse constructo. A mulher passou a constituir-se em múltiplas facetas, sem perder suas principais fontes de identificação que é a maternidade e a habilidade nos afazeres domésticos.
Porém, a conquista é ainda parcial, pois para além do espaço concedido à mulher ser bastante limitado, muitas delas devido as suas tradições sentem-se na obrigação de apenas servir os seus maridos e cuidar dos seus filhos. Portanto, as tradições de certo modo contribuíram e têm contribuído para o comportamento submisso, dificultando o desenvolvimento das capacidades e dos talentos que a mulher pode ter, e da missão que pode cumprir lado a lado com os homens, para o desenvolvimento da sociedade em geral.



8. Referências Bibliográficas
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