1.Introdução
A cognição social no conjunto das ciências psicológicas é
toda a ciência que estuda o comportamento, sentimentos, pensamentos do ser
humano e do animal irracional no seu meio social. No que diz respeito ao meio
social, são todos valores culturais, valores morais, relacoes do homem á homem,
homem–natureza, homem e as instituições (Cabecinhas, 2000).
O conceito de
cognição ou neuro-cognição é entendido como o processo pelo qual um indivíduo
se torna ciente de si, do que o rodeia e da compreensão de conceitos,
envolvendo aspectos como a percepção, pensamento e memória, ou seja toda a vida
mental do indivíduo2. Se no plano conceptual podemos adoptar uma definição
alargada de cognição, já no plano operacional – da utilização do conceito com
vista à sua medição – é necessário encontrar uma definição mais restritiva que
sirva os propósitos da sua avaliação.
As funções cognitivas compreendem os domínios da atenção,
da percepção, da linguagem, nomeadamente da compreensão e fluência verbal, dos
vários tipos de aprendizagem e de memória, do processamento da informação, da
organização perceptiva e do funcionamento executivo (Lima, 2000).
2. Cognição Social: Defição
Segundo Merton (1968), a cognição social é um campo
da psicologia social que investiga a forma como as pessoas compreendem as
outras pessoas e elas mesmas. É tambem o conjunto de processos mentais
relativos ao conhecimento que manifestam em diferentes formas: percepção,
aprendizagem, memória, consciência, atenção, e imaginação. É através da
cognição social que cada um de nós constrói uma visao diferente do mundo,
incluindo aquilo que para nós é verdadeiro ou falso e o que é certo ou errado.
Surgiu do interesse de
psicólogos sociais pela psicologia cognitiva, que começaram a utilizar os
modelos cognitivos para entender os processos básicos subjacentes às interações
sociais. Essa área de pesquisa tem como
aspectos básicos:
- o mentalismo, que confere importância aos processos e representações mentais;
- a formação, operação e mudança dos processos cognitivos dentro dos contextos sociais;
- a utilização de métodos, teorias e modelos desenvolvidos em outras áreas pela psicologia social, como a psicologia cognitiva e a neurociência social cognitiva;
- a aplicação ao mundo real (aplicação à temas como comportamento de ajuda, preconceito, esteriótipos, relacionamentos íntimos e outros).
3. Objecto de Estudo da Cognição Social
Segundo Miranda
(2001), o objecto de estudo da Cognição Social é a análise dos comportamentos
humanos tendo em conta as condições pessoais e da situação. Se por um lado, a
parte social, reconhece a importância do envolvimento no comportamento humano,
por outro, a parte cognitiva, realça a influência que tem os processos de
pensamento e as estruturas mentais que possibilitam o processamento de
informação e interferem na construção da nossa realidade do mundo.
4. Cognição Social segundo Vygotsky
De acordo com Cabecinhas (2000), Vygotsky é o que apresenta maior contribuição no entendimento do
complexo processo de aprendizagem humana. O autor propõe o interaccionismo, que
é baseado numa visão de desenvolvimento apoiada na concepção de um organismo activo,
onde o pensamento é construído gradativamente em um ambiente histórico e, em
essência, social. A interacção social possui um papel fundamental no
desenvolvimento cognitivo e toda função no desenvolvimento cultural de um
sujeito aparece primeiro no nível social, entre pessoas, e depois no nível
individual, dentro dele próprio.
Vygotsky (1984), refere que a interacção social é origem e motor da aprendizagem e
do desenvolvimento intelectual. Todas as funções no desenvolvimento do ser
humano aparecem primeiro no nível social (interpessoal), depois, no nível
individual (intrapessoal). A aprendizagem humana pressupõe uma natureza social
específica e um processo através do qual as pessoas penetram na vida
intelectual daquelas que as cercam.
Vygotsky
identifica três estágios de desenvolvimento na criança e que podem ser
estendidos a qualquer aprendiz:
- Nível de desenvolvimento real - determinado pela capacidade do indivíduo solucionar independentemente as atividades que lhe são propostas;
- Nível de desenvolvimento potencial - determinado através da solução de atividades realizadas sob a orientação de uma outra pessoa mais capaz ou cooperação com colegas mais capazes; e
- Zona de desenvolvimento proximal - considerada como um nível intermediário entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial.
5. Cognição social Segundo Bandura
Segundo Lima (2000), apesar da teoria cognitiva social de Bandura ser uma
forma de comportamentalismo menos extrema do que a de Skinner, a abordagem
permanece ainda comportamentalista. Bandura procura concentrar-se na observação
do comportamento dos indivíduos em interacção. E ressalta o papel do reforço na
aquisição e modificação dos comportamentos. Para Bandura, as respostas
comportamentais não são automaticamente produzidas
por estímulos externos como a de um robô ou uma máquina, mas sim, as reacções a
estímulos são auto-activadas.
Quando
um reforço exterior altera o comportamento, ele o faz porque o indivíduo tem
percepção consciente do que está sendo reforçado e antecipa o mesmo reforço por
comportar-se da mesma maneira. Mesmo concordando com Skinner que o
comportamento humano pode modificar-se ao reforço, Bandura acredita, porém, que
a imitação é um princípio de aprendizagem em si próprio e que a aprendizagem
pode-se fazer pelo reforço, seja ao próprio indivíduo, seja a um modelo. Essa
capacidade para aprender pelo exemplo supõe a aptidão de antecipar e avaliar
consequências apenas observadas em outras pessoas e ainda não vivenciadas.
Portanto não há uma ligação entre um estímulo e uma resposta, ou entre
comportamento e reforço, como havia no caso do sistema de Skinner.
Entretanto,
há um mecanismo mediador, interposto entre os dois; esse mecanismo são os
processos cognitivos da pessoa. E, a modelagem ou a aprendizagem observacional
envolve, em grande parte esses processos cognitivos.
6. Representações Sociais
Segundo Cabecinhas (2000), representações Sociais são o conjunto de explicações, crenças e ideias que nos permitem evocar um dado acontecimento, pessoa ou objecto. Estas representações são
resultantes da interacção social, pelo que são comuns a um determinado grupo de
indivíduos.
O objectivo da Teoria das
Representações Sociais é explicar os fenómenos do homem a partir de uma
perspectiva colectiva, sem perder de vista a individualidade. Uma
conceituação formal, entretanto, Cabecinhas (2000), se negou a
fazer de forma contundente: "A demanda por exactidão de significado e por
definição precisa de termos pode ter um efeito pernicioso, como eu acredito ter
tido frequentemente nas ciências do
comportamento".
Portanto, segundo Lima (2000), a Teoria das Representações Sociais
está principalmente relacionada com o estudo das simbologias sociais, tanto no nível de macro como
de micro análise - ou seja, com o estudo das trocas simbólicas infinitamente
desenvolvidas em nossos ambientes sociais e nas nossas relações interpessoais
-, e de como esses símbolos influenciam a construção do conhecimento compartilhado,
da cultura.
As representações sociais têm como uma
de suas finalidades tornar familiar algo não familiar, isto é, uma classificar,
categorizar e nomear novos acontecimentos e ideias com as quais não tínhamos
tido contacto anteriormente, possibilitando, assim, a compreensão e manipulação
desses novos acontecimentos e ideias a partir de ideias, valores e teorias
preexistentes e internalizados por nós e amplamente aceitas pela sociedade.
As representações que fabricamos – de
uma teoria científica, de uma nação, de um objecto, etc. – são sempre o
resultado de um esforço constante de tornar real algo que é incomum (não
familiar), ou que nos dá um sentimento de não familiaridade. Através delas,
superamos o problema e o integramos em nosso mundo mental e físico, que é, com
isso, enriquecido e transformado. Depois de uma série de ajustamentos, o que
estava longe, parece ao alcance de nossa mão; o que era abstracto torna-se
concreto e quase normal, as imagens e ideias com as quais nós compreendemos o
não usual apenas trazem-nos de volta ao que nós já conhecíamos e com o qual já
estávamos familiarizados (Merton, 1949/1968).
Buscamos compreender, abstrair
significados das novas informações e fatos produzidos constantemente em função
da proliferação dos centros de pesquisas científicas, da enorme profusão de
ideias e filosofias escancaradas pelos meios de comunicação de massas e também
criadas pelos "sábios amadores" nas ruas, bares e esquinas do senso comum e operacionalizá-los em
nossos quotidianos.
A criação e transformação da informação
levam a uma transformação de nossos valores, que, consequentemente, irão
influenciar as directrizes dos relacionamentos humanos, na forma como o ser humano
se percebe no mundo e com o outro – o que era certo para a geração anterior
para a geração atual não o é.
Digere-se a nova informação e a
reapresenta buscando, ao mesmo tempo, tanto enriquecer e transformar nossos
esquemas cognitivos anteriores no que for possível e aceitável à nossa
idiossincrasia; como também adaptá-la a nossos antigos esquemas cognitivos, na
busca de manter o nosso mundo estável e seguro, a dinâmica das relações é uma
dinâmica de familiarização, onde os objectos, pessoas e acontecimentos são
percebidos e compreendidos em relação a prévios encontros e paradigmas a
memória prevalece sobre a dedução, o passado sobre o presente a resposta sobre
o estímulo e as imagens sobre a ‘realidade’ (Miranda, 2001).
Partindo dos estudos de Moscovici
nasceram inúmeras pesquisas sobre diversas representações sociais, como a
representação social de beleza. (Miranda, 2001), definiu sinteticamente as
representações sociais como uma forma de conhecimento, socialmente elaborada
e partilhada, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma
realidade comum a um conjunto social.
7. Elaboração
das Representações Sociais
Segundo Lima, (2000), existem dois processos das representações sociais:
a objectivação e a ancoragem. Na objectivação as ideias
abstractas transformam-se em imagens concretas, através do reagrupamento de
ideias e imagens focadas no mesmo assunto. A ancoragem prende-se com a
assimilação das imagens criadas pela objectivação, sendo que estas novas
imagens se juntam às anteriores, nascendo assim novos conceitos.
8. Estereótipos,
Preconceitos e Discriminação
8.1. Estereótipos
Os estereótipos são crenças a propósito de
características, atributos e comportamentos dos membros de determinados grupos,
são formas rígidas e esquemáticas de pensar que resultam de processos de
simplificação e que se generalizam a todos os elementos do grupo a que se
referem. Daí que possamos definir estereótipo como o conjunto de crenças que dá
uma imagem simplificada das características de um grupo ou dos membros de um
grupo (Lima, 2000).
Exemplos de estereótipos: “ os japoneses são educados e
reservados” Os alemães são sérios” Os italianos são alegres” Os jovens são
irreverentes” Os mais velhos são conservadores” As mulheres são intuitivas” Os
bombeiros são heróis” Os funcionários públicos trabalham pouco. A estes grupos
(orientais, jovens, mulheres, etc) atribuímos determinadas características que
generalizamos a todos os seus membros (Lima,
2000).
Os estereótipos são um processo de categorização (tal
como as impressões) para que a pessoa se possa adaptar ao seu meio, dando
sentido ao mundo Usamos categorias sociais como estudantes, socialistas,
brancos, negros, desportistas, jovens, liberais, porque nos são úteis. Servem
para colocarmos os indivíduos que nos rodeiam em “gavetas”, o que nos permite,
de uma forma rápida e económica, orientarmo-nos na vida social. Uma vez
interiorizado o estereótipo é aplicado de uma maneira quase mecânica.
Os estereótipos têm uma função de simplificação que
permite a adopção de quadros de interpretação do mundo social em que se está
integrado Por exemplo, dizemos que uma categoria é estereotipada quando os
elementos de um mesmo grupo partilham a convicção de que um ou mais traços
particulares caracterizam as pessoas dessa categoria: “ Os estudantes de cursos
profissionais podem considerar os estudantes dos cursos de ciências
competitivos, marrões, certinhos e antipáticos; estes podem considerar os
primeiros preguiçosos, cábulas, pouco inteligentes e desleixados.”
8.2. Preconceitos
Preconceito é uma atitude que se distingue do estereótipo
porque não se limita a atribuir características a um determinado grupo ou
pessoa: envolve uma avaliação, frequentemente negativa. Assim, podemos definir
preconceito como uma atitude que envolve um pré-julgamento, na maior parte das
vezes negativo, relativamente a pessoas ou grupos sociais.
Há uma relação entre preconceito e estereótipo Na base do
preconceito está a informação veiculada pelo estereótipo. Assim, apesar de
distintos, estão relacionados: o estereótipo fornece os elementos cognitivos
(as crenças), o preconceito acrescenta-lhes uma componente afectiva,
avaliativa. Contudo, os preconceitos podem mudar (a publicidade da Benetton,
por exemplo, tem vindo a trabalhar neste sentido para ajudar a mudar o
preconceito racial).
Segundo Moscovici, (2003),
o preconceito, tal como as atitudes, tem três componentes:
1 Componente cognitiva (corresponde a um estereótipo
geralmente negativo que se formula face a um grupo social)
2. componente afectiva (refere-se aos sentimentos que se
experimentam relativamente ao objecto do preconceito)
3. componente comportamental (refere-se à orientação do
comportamento face à pessoa ou grupo)
8.3. Discriminação
A discriminação designa o comportamento dirigido aos
indivíduos visados pelo preconceito. Assim, na base da discriminação está o
preconceito, que, sendo uma atitude sem fundamento, injustificada, dirigida a
grupos e aos seus membros, geralmente desfavorável, pode conduzir à
discriminação. Não se pode confundir discriminação com preconceito: enquanto
este é uma atitude, a discriminação é o comportamento que decorre do
preconceito (Miranda, 2001).
Segundo Moscovici (2003), o tipo de discriminação está
ligado com o preconceito que lhe está subjacente: O preconceito racial conduz,
geralmente, à discriminação das pessoas por pertencerem a raças diferentes; Um
preconceito religioso leva à discriminação de pessoas que professam uma dada
religião; O preconceito sexista conduz à discriminação das mulheres. Os
comportamentos discriminatórios manifestam-se com mais intensidade em períodos
de crise económica e social: As pessoas, não podendo agir sobre as causas da
sua situação, dirigem os seus sentimentos negativos, a sua agressividade,
contra grupos ou pessoas inocentes. Por exemplo, é frequente, durante os
períodos de crise, sectores da população encontrarem nos imigrantes os bodes
expiatórios para a sua situação desfavorável. Deste modo, comportam-se de modo
hostil e agressivo perante esses grupos (Merton, 1949/1968).
9. Conclusão
A cognição social é o processo que orienta condutas
frente a outros indivíduos da mesma espécie. Várias estruturas cerebrais têm um
papel chave para controlar as condutas sociais: o córtex pré-frontal
ventromedial, a amígdala, o córtex somatosensorial direito e a ínsula. O córtex
pré-frontal ventromedial está comprometido com o raciocínio social e com a
tomada de decisões; a amígdala com o julgamento social de faces; o córtex
somatosensorial direito, com a empatia e com a simulação; enquanto a insula,
com a resposta autonómica. Estes achados estão de acordo com a hipótese do
marcador somático, um mecanismo específico por meio do qual adquirimos, representamos
ou memorizamos os valores de nossas acções. Estas estruturas cerebrais actuam
como mediadores entre as representações perceptuais dos estímulos sensoriais e
a recuperação do conhecimento que o estímulo pode activar. O sistema límbico é
a zona limítrofe; nela, a psicologia se encontra com a neurologia. A correcta
sincronização destas zonas e estruturas, no adulto, é a chave para uma situação
livre de patologia.
10.
Referências Bibliográficas
Cabecinhas, R. (2000). Processos cognitivos, cultura e estereótipos
sociais
Lima, L. (2000). Atitudes: Estrutura e mudança. Psicologia
social). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian
Merton, R. (1949/1968). Contribuições à teoria do comportamento
do grupo de referência. São Paulo: Ed. Mestre Jou
Miranda, J. C. (2001). A identidade nacional. Do mito ao
sentido estratégico. Tese de Doutoramento. Lisboa: Universidade Aberta
Moscovici, S. (2013). Representações sociais: investigações em
psicologia social. Rio de Janeiro, Vozes
Um comentário:
Maravilhoso o contudo!
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