ELIAS RICARDO SANDE

ELIAS RICARDO SANDE
PSICOLOGO SOCIAL E DAS ORGANIZACOES

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

CULTURA E RELACOES INTIMAS


1. Introdução


Uma das questões fundamentais da Psicologia é o estudo da constituição do ser humano como um produto de processos concretos de relações entre os indivíduos e entre estes e a natureza. Sob esta perspectiva, nos estudos psicológicos não há lugar para uma natureza humana originária de actos impulsivos e fenómenos mágicos que regeriam os comportamentos sexuais dos indivíduos.

De acordo com Laraia (2004), a natureza humana não é um conjunto de imperativos biológicos, ela é maleável e apresenta enorme plasticidade se comparada com o determinismo a que estão sujeitos os animais. O meio ambiente e a cultura alteram o carácter biológico da natureza humana. A biologia humana, embora seja condição absolutamente necessária para a cultura, é também absolutamente insuficiente e incapaz de especificar as propriedades culturais do comportamento humano, e em especial quando se faladas relações íntimas.

Por sua vez, Lourenço (2002), afirma que a relação íntima é variável em diversos sentidos. Muda no interior dos próprios indivíduo, dentro dos géneros, nas sociedades, do mesmo modo como difere de género para género, de classe para classe e de sociedade para sociedade. Não existe uma categoria abstracta e universal de erotismo aplicável para todas as sociedades. O perigo de se imaginar a existência de um “biologismo” é que pode legitimar perigosas atitudes normativas para a relação íntima, rotulando certas condutas como naturais e outras como desviantes ou antinaturais.

Para a realização desse trabalho, recorreu-se à revisão de literatura como metodologia. A busca de informação por intermédio de obras físicas e electrónicas, artigos e publicações científicas, forma as bases para a concretização dessa pesquisa. Nesses termos, o trabalho tem um carácter de uma pesquisa bibliográfica.

2. Abordagens sobre Cultura
Leiblum & Pervin (1992), afirma que etimologicamente, a palavra cultura vem do latim colere, que significa cultivar, criar, tomar conta e cuidar. Por sua vez Marchand (2001), refere que na visão humanista clássica, a noção de cultura significa o cultivo do espírito e da inteligência: a educação, o aperfeiçoamento de faculdades humanas, o cultivo dos recursos intelectuais e morais dos indivíduos e dos grupos humanos.  

Tylor (1871) citado por Lourenço (2001), sintetiza o conceito da cultura, articulando-o numa visão abrangente, na qual, concebe todas as possibilidades de realização humana como cultura, e não apenas os processos intelectuais e artísticos. Além disso, ressalta que não se trata de um fenómeno natural, mas de algo que se adquire na sociedade

As tentativas modernas de chegar a uma precisão conceitual foram agrupadas por Roger Keesing citado por Andrade (1997) nas seguintes vertentes teóricas:
  • Cultura como um sistema adaptativo, que consiste em padrões de comportamento socialmente transmitidos, que servem para adaptar as comunidades humanas à sua base biológica e ao ecossistema. Inclui tecnologias, modo de organização económica, padrões de estabelecimento, de agrupamento social e de organização política, crenças e práticas religiosas e assim por diante.
  • Cultura como um sistema cognitivo. Aqui concebe-se cultura como um sistema de conhecimento, aquilo que as pessoas precisam conhecer ou acreditar para actuar de acordo com a sociedade na qual estão inseridas.

3. Relações Íntimas
Uma relação íntima apresenta componentes cognitivos e afectivos. Os parceiros são capazes de compreender os pontos de vista de cada um e usualmente, experimentam um sentido de confiança e estima mútuas. Uma relação íntima permite a revelação de sentimentos pessoais assim como a partilha de ideias e planos que podem não estar muito desenvolvidos (Furman & Simon, 1999 citados por Laraia, 2004).
Leiblum & Pervin (1992), referem-se a predisposições biológicas do ser humano para procurar e manter-se em relações íntimas com outros tem início na adolescência com o estabelecimento de relações com os pares, e proporcionam protecção e oportunidade de mutualismo, altruísmo recíproco e jogo social. Deste modo, parece que a vinculação se torna uma dimensão das relações que o adolescente estabelece com outras pessoas além dos progenitores.

Com base na psicologia social, as representações do self e dos outros sugerem expectativas relativas à intimidade e proximidade, que podem ser representadas pela vinculação, cuidados, sexualidade e a filiação e parecem estar organizadas hierarquicamente. Lourenço (2002), adverte que o indivíduo posiciona-se nas relações íntimas na vida adulta com expectativas derivadas de relações próximas passadas que vão influenciar o padrão de interacção com os parceiros.

Se as experiências nas relações íntimas actuais diferem das expectativas existentes, espera-se que as representações dessas relações mudem. Quando as experiências íntimas são semelhantes aquelas das relações passadas, as expectativas iniciais são reforçadas. Das relações mais longas, que envolvem maior compromisso, é esperado maior impacto nas relações íntimas futuras, do que relações mais curtas. Deste modo, uma relação intima ganha importância aumentada na hierarquia à medida que se torna mais séria, influenciando as representações gerais das relações (Lourenço, 2002).

3.1. Intimidade
A repetição de interacções íntimas ao longo do tempo revela-se importante para a satisfação das necessidades individuais permitindo aos parceiros construir percepções e sentimentos que os dois parceiros têm sobre eles, um do outro, e da sua relação. Estes efeitos das interacções formam a base das relações íntimas como amor, vinculação, confiança (Andrade, 1997).

Segundo Marchand (2001), os parceiros íntimos são interdependentes na medida em que os comportamentos íntimos de um licitam experiências íntimas no outro. As experiências (sentimentos e percepções) que um parceiro lícita no outro parceiro prepara-os para a intimidade mutua. A literatura sugere que a experiência íntima apresenta duas dimensões:
  • Afecto positivo - sentimentos de orgulho, força, amor, afecto, gratidão ou atracção; e
  • Percepções da compreensão - percepção de que se é amado, aceite, compreendido, cuidado, ou amado pelo outro.  
4. A Cultura como Instrumento que Norteia as Relações Íntimas dos Indivíduos
A cultura funciona como uma lente através da qual podemos ver o mundo dos humanos (Laraia, 2004). Nossas heranças culturais, desenvolvidas através de inúmeras gerações, sempre nos condicionou a reagir dentro de padrões manifestos pela maioria de nossa comunidade. Indivíduos de culturas diferentes podem ser facilmente identificados por uma serie de características, tais como modo de vestir, agir, comer, interpretar os dados sociais etc.
O autor refere que a construção das relações íntimas depende das crenças e dos valores culturais que os parceiros experimentam e acreditam que lhes proporcionarão satisfação, amor, felicidade, alegria e bem-estar em todas as dimensões (espiritual, física, psicológica e social).
As relações íntimas são produtos culturais que se circunscrevem na construção de ordem moral e de valores comportamentais e de relações interpessoais. Os diferentes comportamentos sociais, incluído as relações íntimas são reconhecidos e validados a partir de sua referência cultural (Leiblum & Pervin, 1992).
Essa base ideológica, segundo o autor, regulamenta as relações de género, a ordem sexual da comunidade e da construção das relações íntimas. Estas normativas ao longo dos anos se apresentaram como instrumento de controlo desses padrões comportamentais, interferindo nas práticas individuais e colectivas, estabelecendo explicações e causalidades entre os fenómenos psico-sexuais humanos.
Na mesma perspectiva, Laraia (2004), as relações íntimas em seres humanos se exprimem em grande medida no contexto da cultura, nos estilos de vida padronizados que caracterizam a vida social. Esses padrões de vida são o legado da experiência dos ancestrais para viver em bem-estar e se reproduzir em determinadas épocas levando em conta suas condições políticas, económicas, históricas, geográficas e religiosas. Nas diferentes culturas, sob determinadas condições, um padrão pode ser mais “ natural ” do que outro, que, por sua vez, pode tornar-se mais “ natural ” se as condições mudarem.

 5. Conclusão
O ser humano é um ser cultural. Não existem, e nunca existiram mulheres e homens vivendo sem cultura. Os indivíduos somente sobrevivem e se realizam pela cultura. A cultura permite ao ser humano encontrar-se no mundo, interpretando-se a si mesmo e interpretando o mundo, no nível das representações e no nível dos sinais vividos. Também é mediante a cultura, que o ser humano confere finalidade e sentido às realidades.

As relações íntimas fazem parte desses padrões comportamentais, que resultam das variações culturais de cada sociedade. A escolha de parceiro sexual, a construção das relações amorosas ou românicas, o exercício da sexualidade, a compreensão do casamento e do namoro, a busca da identidade, são processos que são atribuídos significados através da cultura.

De forma sumária, o presente estudo poderá ser uma forma de compreender os diferentes níveis de compromisso e de confiança nas relações íntimas dos seres humanos. Onde a intimidade aparece como uma característica que distingue as relações de maior importância e valor para cada indivíduo, sendo preditiva de elevados níveis de satisfação, amor e confiança. Nesses termos, relações íntimas bem-sucedidas concorrem para a saúde do indivíduo e do seu bem-estar dos parceiros envolvidos.

  
6. Referências Bibliográficas

Lourenço, O. (2002). Psicologia de desenvolvimento  cognitivo: teoria, dados e  implicações. Coimbra: Almedina.

Marchand, H. (2001). Temas de desenvolvimento psicológico do adulto e do idoso. Coimbra: Quarteto Editora.
Laraia, R. B. (2004). Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora
Andrade, M. C. (1997). Sexologia: fundamentos para uma visão interdisciplinar. Rio de Janeiro: Editoria Central da Universidade Gama Filho
Leiblum, S. R. & Pervin, L. A. (1992). Princípios e prática sexual. Rio de Janeiro: Zahar,
Cole, W. G. (1959). O Sexo e Amor na Bíblia . New York, Association Press

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