ELIAS RICARDO SANDE

ELIAS RICARDO SANDE
PSICOLOGO SOCIAL E DAS ORGANIZACOES

terça-feira, 22 de março de 2011

PSICOLOGIA: NOS E OS OUTROS


1.     Introdução
Há anos que os fenómenos psicológicos em África são interpretados com base numa psicologia ocidental, com métodos, técnicas e intrumentos cientificamante estabelecidos no ocidente. Esta psicologia, durante muito tempo, não tem resolvido satisfactoriamente os problemas psicológicos africanos devido às diferenças culturais e tradicionais que se verificam entre o ocidente e a áfrica.
Com as primeiras tentativas de emergência da psicologia em África, cujo pioneiro foi o psiquiatra Frantz Fanon que, segundo ele, os principais objectivos da psicologia são a explicação da relação entre a psique e a estrutura social; a reabilitação dos alienados e a transformação das estruturas sociais que contrariam as necessidades humanas, estabeleceram-se as primeiras bases da psicologia em África. Em África, a forma de ser, estar e lidar com fenómenos psicológicos é diferente com a perspectiva ocidental devido a natureza cultural, holística, interpessoal, religiosa, artística e espiritual intrínsecas ao povo africano. Estes factos fazem com que a psicologia ocidental não intervennha efectivamente nos problemas psicológicos africanos.
O presente trabalho surge no âmbito da Cadeira de Perspectivas Africanas dos Fenómenos Psicológicos e tem como objectivo de analisar e descrever as diferenças culturais entre os acidentais e africanos, enfatizando a necessidade de contextualizar qualquer que seja o instrumento ou técnica concedido no ocidente à realidade africana. Para a sua elaboração recorreu-se à revisão bibliográfica, que consistiu na consulta de livros, obras e artigos versados na internet. O trabalho apresenta a seguinte estrutura: a presente introdução; Psicologia na Perspectiva Africana e Ocidental; Reflexão sobre o tema e culminado com uma breve conclusão.




2.     Psicologia na Perspectiva Africana e Ocidental
Desde sempre o Homem procurou interpretar os fenómenos psicológicos com base em várias experiências. Com o tempo, chegou-se ao desenvolvimento da Psicologia moderna, a qual durante muito tempo serviu de base para interpretar todos os fenómenos psicológicos. De igual modo, o Homem africano procurou, como todo outro homem de outras culturas, na sua comunidade e tribo, dar significado a esses fenómenos através das suas crenças e valores, e, através dos curandeiros intervir (Marot, 2004). 

Segundo Honwana (2002), em todos os países africanos existem diversas formas de interpretar e intervir  nos fenómenos psicológicos, a Psicologia ocidental, que é tomada como modelo para a interpretação de todos os fenómenos psicológicos é baseada numa cultura, a cultura ocidental, entretanto, cada povo tem a sua cultura e cada cultura tem a sua forma específica de interpretar os fenomenos .

2.1.Emergência da Psicologia em África
A discussão sobre Psicologia nas sociedades africanas ocorreu dentro de constrangimentos de paradigmas contemporâneos. Pensadores e investigadores africanos na tentativa de emergir ideologias sobre psicologia africana foram impedidos pelos colonizadores ocidentais, pelo facto de a Psicologia ter as suas origens no ocidente (Akin-Ogundeji, 1991 citado por Holdstock, 2000).

Pelo facto de ter sido importada do ocidente a aplicaçao da Psicologia ocidental no continente africano é questionável. Em algumas situações, os métodos, as técnicas e os instrumentos de pesquisa convencionados no ocidente são incapazes de medir as variáveis psicológicas africanas (Nsamenang citado por Holdstock, 2000). Este autor dá ênfase a importância da cultura na interpretação dos fenómenos psicológicos e defende a sua contextualização no sentido de se ter uma compreensão efectiva dos problemas psicológicos em África.
Entre as duas perspectivas da psicologia (ocidental e africana), está evidente que a psicologia ocidental com seus métodos, técnicas e instrumentos é incapaz de interpretar, avaliar e intervir eficazmente nos fenómenos psicológicos africanos, visto que a realidade africana é  completamente diferente e distante do contexto ocidental. Ou seja, a cultura africana é diferente da cultura ocidental, ela baseia-se nos costumes, as tradições e as crenças africanas para interpretar e intervir em qualquer fenómeno psicológico decorrente do contexto africano. Portanto, nas nossas intervenções é imperioso que tenhamos em conta questões relacionadas com as tradições e as crenças dos indivíduos.
Por exemplo, no caso do fenómeno de desmaio na Escola Secundária Quisse Mavota, houve uma equipa multidisciplinar de profissionais do Ministério da Saúde para o estudo e explicação do caso onde saiu uma conclusão baseiada em abordagens psicológicas ocidentais, segundo a qual tratava-se de “histeria colectiva”. Não tendo deixado satisfeito a sociedade, esta conclusão deixou um vazio que fez com a comunidade recorresse à AMETRAMO para efectuar uma tradicional. Com última interveção voltou-se à normalidade.

2.2. Psicologia Africana segundo Fanon
Para Fanon, os principais objectivos da psicologia são a explicação da relação entre a psique  e a estrutura social; a reabilitação dos alienados e a transformação das estruturas sociais que contrariam as necessidades humanas (Bulhan citado por Holdstock, 2000).
Na África contemporânea, a reflexão acerca da aplicação de conceitos psicológicos foi feita pela primeira vez pelo psiquiatra Frantz Fanon durante os anos cinquenta e início dos anos sessenta. Essas ideias contribuiram para a descolonização do africano. Fanon pesquisou a psicologia das pessoas colonizadas como também a mentalidade dos colonizadores, ou seja, não se centrou apenas aos aspectos relacionados ao colonialismo mas também aos efeitos que a própria colonização causou aos africanos (Fanon citado por Holdstock, 2000).
Fanon, propôs uma perspectiva sociogenética enfatizando a importância de factores culturais e sociológicos do comportamento em rejeição da perspectiva ontogenética de Freud no complexo de édipo. Para Freud, o complexo de Édipo é o núcleo constitucional da subjectividade, foi neste núcleo que Freud estabeleceu o elo para sua analogia entre o desenvolvimento da líbido individual e o desenvolvimento da civilização do indivíduo, realizando uma extensão da psicologia individual à psicologia das massas (Fanon citado por Holdstock, 2000).
Para Fanon, a inconsciência colectiva de Jung é uma questão filogenética de disposições herdadas, recorrendo ou não aos genes, é pura e simplesmente a soma de preconceitos, mitos, atitudes colectivas de um determinado grupo, contrariando a perspectiva de Jung (Fanon citado por Holdstock). De acordo com Jung citado por Modelli (2009), o inconsciente colectivonão não se desenvolve individualmente, ele é herdado e possui sentimentos, pensamentos e lembranças compartilhadas por toda humanidade que condicionam cada sujeito, desde seu nascimento até a sua forma de simbolizar os sonhos.
Fazendo uma análise entre estas duas perspectivas teóricas (uma ocidental e outra africana), verifica-se uma convergência quanto ao factor genético na formação do incosciente colectivo, pois tanto Fanon quanto Jung apoiam-se nos factores genéticos para explicar o incosciente colectivo, porém divergem no facto de Jung dar mais ênfase às influências familiares e nas experiências que o indivíduo adquire desde a nascência, enquanto que Fanon dá primazia às crenças, valores, atitudes, preconceitos e mitos, colecticos que um determinado grupo compartilha. Portanto, concorda-se com as duas abordagens na medida em que a familia, o meio sócio-cultural, as experiências individuais, a rede de valores, crenças, atitudes, preconceitos e mitos colectivos contribuem para a formação do inconsciente colectivo.
A perspectiva sócio-genética de Fanon tende a convergir com a visão de Adler do que a de Freud e Jung porém, ele não está totalmente de acordo com Adler, embora a psicologia de Adler considere factores sócio-patogénicos no desenvolvimento de problemas de saúde mental. A visão de Adler dá primazia aos aspectos individuais, isto é, continua centrada na dinâmica de egos distintos dos membros da família.

2.3. Perspectiva holística africana
O holismo vem da palavra grega “holos” que significa o todo, inteiro, completo, é a ideia de que as propriedades de um sistema, quer, sejam seres humanos ou outros organismos, não podem ser explicadas apenas pela soma de seus componentes. É uma maneira de ver o mundo, o Homem e a vida em si como entidades únicas, completas e intimamente associadas (InfoEscola, 2008). Kruger citado por Holdstock (2000), descreve a ideia geral dos curandeiros africanos, expressando bem o holismo em África, ele defende que os curandeiros habitam num mundo não dividido no qual animais, plantas, pessoas, sonhos, e antepassados, todos juntos formam um todo.
Tomando como exemplo de holismo o indivíduo, pode-se dizer que para o indivíduo formar uma identidade única precisa, desde a infância, de vários elementos como as crenças, valores,  atitudes, experiências, educação, o meio familiar, escola para formar uma identidade própria e única que vai formar o indivíduo. Este mesmo indivíduo não deve ser visto como a soma destes elementos, mas sim como um todo, uno e indivisível.
As sociedades africanas são um exemplo do holismo pelas características naturais que lhe são intrínsecas. Essas sociedades coabitam com mitos, antepassados, magias, animais, e plantas que fazem com que tais sociedades sejam vistas como uma entidade única e não, necessariamente, a soma dos seus componentes.

2.4. Relações interpessoais em África
Os africanos sempre valorizaram as relações humanas. O homem é visto como a coisa mais importante, nesse sentido, a bem-estar do outro preocupa à muitos. Nessa cultura, uma pessoa sem compaixão, efectividade, cuidado, bondade, respeito e empatia é considerada como alguém não digno de piedade. Segundo Holdstock e Mphalele (1984) citados por Holdstock (2000), a intimidade dos africanos não é centrada apenas para os amigos mais próximos, mas sim a um grupo de pessoas que convivem o mesmo espaço.
Desse ponnto, pode afirmar que é nesse convívio grupal que são compartilhados as suas tristezas, segredos, alegrias e aflições. Uma análise leva-nos a afirmar que a aproximação dos africanos nas suas relações interpessoais contrasta com a necessidade da privacidade que os ocidentais têm. O pensar africano tenta cinge-se na cooperação e solidariedade entre os membros da comunidade, onde os homens e mulheres são todos envolvidos na especulação de uma resposta para os diversos problemas do quotidiano.

2.5. Cultura Africana: Música e Dança
Música: de acordo com o Warren e Senghor citados por Holdstock (2000), a música na cultura africana ultrapassa um simples meio de comunicação interpessoal, ela se caracteriza por estados emocionais, é geralmente compreendida como uma experiência humana que incorpora dança e poesia. A repetição é a essência de ritmo africano, para Senghor manter a repetição provêm a força unificada necessária que permite o tocar ou a escuta.
Dança: na cultura tradicional africana, a dança desempenha uma multiplicidade de funções, ela une todos as dimensões do indivíduo (corpo, alma, emoção, sentimento, espírito e razão). Nas formas de dança Ocidentais os movimentos são claros e passageiros. Os dançarinos se esforçam para flutuar ligeiramente do chão o quanto possível. A dança africana, pelo contrário, fica perto do chão. Se são executados saltos o propósito é sempre voltar para o chão e não quebrar o contacto com mãe terra. Curandeiros indígenas dançam descalços, pois dançar com sapatos é um sinal de que o curandeiro perdeu o contacto com os antepassados. O rítmo faz parte do teatro africano e arte uma vez que é acompanhado de música e dança. Dançar para um africano, tem uma função importante na socialização de rapazes e meninas em termos de valores do grupo a que pertencem e de manter esses valores entre adultos. Em danças de guerreiro há uma relação espiritual forte entre vida e morte (Mphalele, 1984 citado por Holdstock, 2000).
2.6. Concepção sobre Religião e o Conceito da Divindade em África
Não sendo necessariamente no senso de participação de igreja ou aderência a um dogma religioso, os africanos são religiosos, porém no sentido de honrar o que representa uma preocupação da humanidade. Para os africanos o pensamento sobre Deus é expresso através de nomes, tendo em consideração categorias gerais como a natureza de Deus, a relação com Deus, as imagens de Deus e o que Deus faz. Esta visão que os africanos têm sobre Deus é diferente da forma como os europeus usam as suas habilidades para dominar todos os problemas, a natureza e o universo. Contudo, falta à ciência ocidental a capacidade para compreender a realidade africana pois ela restringe-se no observável no racional (Mbiti citado por Holdstock, 2000).   
Parrinder (1969) citado por Holdstock (2000), referindo-se à psicologia africana,  defende que o Homem não é só um indivíduo ou somente um ser social, mas ele é uma força vital que continua em contacto com outras forças do universo. Neste sentido, ele as influencia e também é influenciado constantemente por elas e, deste modo, a força vital está dentro de todos os homens e criaturas formando um laço entre eles.

3.     Reflexão-Análise Crítica
Em todos os níveis, os europeus alegam ser os melhores. Através das suas pesquisas generalizam os resultados como se fossem válidos para toads as culturas. No que diz respeito à psicologia, muito embora sirvamos como base à psicologia ocidental, a psicologia africana deve ser vista não só do ponto de vista do Ocidente, mas também do ponto de vista sócio-cultural africano, pois quando se interpreta os fenómenos psicológicos africanos deve se ter em conta a influência de variáveis tais como a cultura, crenças, valores, a família e o ambiente. Assim, torna-se necessário ver o individuo de forma holística, como um todo e não como a soma das suas partes.

Actualmente, verifica-se uma guerra entre os ocidentais e os africanos. Todos querem difundir a sua cultura e mostrar a sua superioridade. A título de exemplo, enquanto que os ocidentais menosprezam os africanos considerando-os arcáicos e tradicionalistas, estes por sua vez também os desprezam, na medida em que em África está sendo difundida a ideia de que a cultura ocidental é materialista, enquanto que a cultura africana é ética e espiritual, e que os africanos deviam se limitar apenas a adquirir os conhecimentos científicos e tecnológicos do ocidente evitando os outros aspectos da sua cultura.
A sugestão dada não é para ignorar a psicologia ocidental, mas sim não tomá-la como a única perspectiva possível de interpretar de forma válida os fenómenos psicológicos africanos. É recomendável que se olhe para a cultura do individuo, pois, é com base nas suas crenças, nos seus valores, na sua tradição e religião que este interpreta e gere os seus sentimentos, pensamentos e emoções. Por exemplo, na cultura africana considera-se que a saúde é o bem-estar bio-psico-sócio-espiritual do indivíduo, pois o Homem africano é antes de mais um ser espiritual e é com base na noção que ele tem da sua espiritualidade que compreende a si, a vida e a morte.  A tradicção africana (rituais, curandeirismo e a divindade) não deve ser vista como uma prática tradicional remota, fechada e ultrapassada, mas sim como uma resposta dos nossos dias que ajuda as pessoas a enfrentar os desafios do dia-à-dia por intermédio dos seus ente-queridos.



4.     Conclusão
Os europeus desenvolveram uma consciência de superioridade e a ideia de que persuade o mundo pela sua cultura. A construção desta identidade que se afirma superior a todas as outras culturas, resultou da distorção da sua própria história. Esta distorção tem implicações psico-sociológicas, tornando-se produtora de um racismo endémico, ao manter-se confortavelmente apoiada na crença de que a herança helénica predispôs a Europa e o mundo ocidental para avançar pelo racionalismo, enquanto que o mundo africano se mantiveram ligados à metafísica arcáica.

Mas entre as duas perspectivas da psicologia (ocidental e africana), está evidente que a psicologia ocidental com seus métodos, técnicas e instrumentos é incapaz de interpretar, avaliar e intervir eficazmente nos fenómenos psicológicos africanos, visto que a realidade africana é  completamente diferente e distante do contexto ocidental.

Os africanos diferentemente dos europeus sempre valorizaram as relações humanas. O homem é visto pelo africano como a coisa mais importante, a pessoa sem compaixão, sem afecto, sem cuidado, sem bondade, sem respeito e sem empatia e, sobretudo, sem “ubuntu”, é considerada como alguém não digno de piedade. Deste modo, o homem africano é essencialmente colectivista, espiritual e religioso, não sendo necessariamente no acto de frequentar uma igreja ou um dogma religioso, eles o são no sentido de honrar o que representa uma preocupação da humanidade.

Esse pensamento não ignora a tamanha importância da psicologia ocidental, mas sim não tomá-la como a única perspectiva possível de interpretar de forma válida os fenómenos psicológicos, muito em particular quando se trata de fenómenos psicológicos africanos. Sugere-se que se tenha em conta a cutura do indivíduo em qualquer processo de avaliação e intervenção psicológica, pois, é com base nas crenças e na tradição que este interpreta o mundo. Assim sendo, todas práticas de psicologia ocidental quando usadas em culturas africanas devem ser contextualizadas no sentido de adequá-las à realidade do povo africano.




5.    Referências Bibliográficas

Holdstock, T. L. (2000). Re-examining Psychology - Critical perspectives and African insights. Canada: Routledge.

Honwana, A. (2002). Espíritos Vivos, Tradições Modernas: possessão de Espíritos e Reintegração social Pós-guerra no sul de Moçambique. Edições Promédia.

InfoEscola (2008). Holismo. Disponível em http://www.infoescola.com/filosofia/holismo-holistico/. Acessado aos 09 de Março de 2011.

Marot, A. (2004). Psicoses. Disponviel em: www.psicosite.com.br/psicoses. Acesso aos 09 de Março de 2011

Modelli, N. (2009). Os tipos psicológicos de Carl Jung. Disponível em http://nairamodelli.wordpress.com/2009/06/15/os-tipos-psicologicos-de-carl-jung/. Aos 13 de Março de 2011

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