ELIAS RICARDO SANDE

ELIAS RICARDO SANDE
PSICOLOGO SOCIAL E DAS ORGANIZACOES

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A Criança hoje em África: Bênção ou Maldição. Crenças africanas sobre Crianças Epilépticas

1. Introdução As crenças e os valores fazem parte da vida de quase todos as sociedades africanas. Existem poderosas simpatias e rezas que se repetem durante séculos. Essa postura dos africanos sempre foi e ainda é transmitida de geração para geração. A crença, é fundamental na resolução de vários problemas que os africanos encontram no seu dia-a-dia e, para que elas surtam efeitos desejados, precisam acima de tudo que sejam feitas com toda a força do pensamento. A criança por si só constitui uma bênção, mas a criança epiléptica pode significar uma maldição, com isso, por um lado, pode sofrer rejeição por parte dos familiares, por outro lado, pode constituir motivo de a família centrar as suas atenções no doente por forma a procurar soluções, que uma das alternativas e a medicina tradicional (Mwamwenda, 2007). O presente trabalho surge no âmbito da Cadeira de Psicologia Cultural e aborda o tema A Criança hoje em África: Bênção ou Maldição. Crenças africanas sobre Crianças Epilépticas. Tem por objectivo principal reflectir sobre as crenças africanas na interpretação dos fenómenos como o caso da epilepsia, bem como as noções da criança segundo o pensamento africano. Para a elaboração deste trabalho, recorreu-se à revisão bibliográfica e uma breve análise reflexiva sobre o tema. Constitui uma oportunidade para aferir os vários momentos históricos que a África passou desde os tempos antigos até aos nossos dias, tendo em conta as várias percepções em cada momento histórico em relação ao conceito de criança e das doenças como o caso de epilepsia. O trabalho apresenta a seguinte estrutura: apresente introdução; conceito da criança; criança epiléptica em África; noções gerais sobre criança em África; a cura da epilepsia na tradição Africana; papel do psicólogo; e. conclusão. 2. Conceito da Criança A Convenção sobre os Direitos da Criança-CDC (2006) citada por Fumo (2009) defende que criança é todo o ser humano com menos de dezoito anos, excepto se a lei nacional conferir a maioridade mais cedo, por sua vez a OMS (2009), define criança como sendo o grupo de indivíduos entre os 0 e os 14 anos. Na ordem jurídica moçambicana convivem dois conceitos jurídicos cuja precisão jurídica não parece reunir consenso, nomeadamente o conceito de criança e de menor. O primeiro é o Código Civil, que define a maioridade civil em 21 anos. Antes de se completar esta idade, salvo algumas excepções admitidas pelo artigo 124 do Código Civil (CC), o exercício de direitos carece de consentimento dos representantes legais. Porém, maioridade política fixada pela Constituição da República de Moçambique (CRM), é de 18 anos. A partir desta idade o cidadão pode eleger e ser eleito (CDC, 2006). Por outro lado, a imputabilidade criminal, que é a idade a partir da qual as leis criminais consideram que a pessoa tem a necessária liberdade e inteligência para decidir e discernir sobre o bem e o mal, é fixada pelo Código Penal em 16 anos. A nível da ciências humanas, onde a psicologia se insere, Fumo (2009) defende que o conceito Criança é reflectido por uma visão subjectiva, segundo a qual o ser criança pode significar, antes de mais, a incapacidade biológica e/ou psicológica de um indivíduo, de realizar determinado tipo de actividades classificadas sociológica e/ou legalmente como sendo de adultos e por essa razão, não se lhe deve atribuir tal responsabilidade. Este conceito é variável, se fazendo valer entre culturas, grupos e até mesmo entre indivíduos na legislação e na cosmologia de cada país ou sociedade. Segundo Save The Children (2007), um caso prático é o da tradição moçambicana (certas práticas costumeiras), e de muitas culturas africanas, onde a criança é definida pelo seu porte físico ou idade social, pela apresentação de sinais de adolescência tais como a puberdade, o aparecimento da menstruação pelo que, só a participação nos rituais tradicionais de iniciação poderá ditar a passagem para a fase adulta. Assim, enquanto o indivíduo não passar pela cerimónia de iniciação não é considerado adulto e fica privado de assistir a outros rituais tradicionais. 3. Criança Epiléptica em África Segundo Sprinthall & Sprinthall (2000), epilepsia é um distúrbio crônico caracterizado por disfunção cerebral paroxística devido uma discarga neuronal excessiva, usualmente associada com alteração do estado de consciência. As manifestações clínicas do ataque podem variar de alterações complexas do comportamento (incluindo as crises generalizadas ou as convulsões focais a alterações discretas e momentâneas do nível de consciência). A epilepsia é uma doença que afecta a humanidade há milhares de anos e mesmo hoje com todo o avanço da medicina actual ainda pouco se sabe sobre os processos bioquímicos envolvidos na sua gênese. As crianças africanas portadoras de epilepsia continuam sofrendo discrimação dentro da sociedade e carregam o grande estigma que a doença produz, sequela dos tempos em que tais crianças que eram tratados como possuídas pelo Demônio. Além disso, o tratamento actual continua apresentando falhas e novos medicamentos precisam ser desenvolvidos. Na África antiga, encontra-se atitudes variadas com relação à crianças com epilepsia, indo desde a aceitação e respeito, até a completa rejeição e eliminação do doente. Na opinião de muitos autores primitivos podem ser observados basicamente dois tipos de atitudes para com criaças: Uma é de aceitação, de tolerância, de apoio e de assimilação e outra de rejeição, eliminação, menosprezo e destruição. Muitos são os povos primitivos que adotam ou adotaram atitudes de apoio, de assimilação, de aceitação ou de tolerância para com as pessoas com crianças epilepticas. Segundo sua crença, os epilepticos mantêm uma relação estreita e directa com o sobrenatural (Mwamwenda, 2007). Quando uma criança nascesse epléptica ou adquirisse epelepsia ao longo do seu desenvolviemnto, era motivo de acusações de feitiçaria aos visinhos e às pessaos mais velhas. Essa postura tem emergido em diversas culturas e tradições africanas, com destaque para a República Democrática do Congo, Moçambique, Tanzania, Malawi. Em Angola este fenómeno era observado principalmente entre o grupo étnico Bakongo. Na mesma condição, as crenças africanas religiosas evocavam a presença de maldição por um acto que eventualmente que os pais dessa criança tenha cometido. Essa situação, fazia e faz com que, igrejas, ONGs, medicna tradicional e moderna vêm construindo deiferentes percepções, discursos e formas de intervenção sobre a problemática de epilepsia, considerando diferentes noções de alteridade, cultura, família, igreja e comunidade. Nas sociedades africanas actuais, a pesar da globalização e a circulação rápida de innformação pelos mídias, interet, jornais, etc, ainda persistem as tradições primitivas nas quais as crianças epilépticas, constituem algo para duvidar. Porém,há tendências de os africanos misturar, tanto o pensamento europeu, quanto o pensamento africano, na interpretação desse fenómeno, facto que faz com que muitos africanos ao se deparar com situações de epilepsia, recorram primeiro ao tratamento tradicional e depois ao tratamento moderno, ou muitas vezes, tem um tratamento simultâneo. Essa postura, por um lado, faz nos crer que há uma tendência em deixar de lado as tradições africanas primitivas, deixando a ideia de que as crianças portadoreas de epilepsia estão possuidas pelo dimóneo, mas por outro lado, nota-se também uma grande resistência em conservar os valores, as tradições e as culturas africanas. 4. Noções Gerais sobre criança em África Na visão de Misser (2008), África é um continente de contrastes, o mais velho do Mundo, que identificamos com a origem da humanidade, e um dos mais jovens do ponto de vista demográfico, já que cerca de 40% da população tem idade inferior a 15 anos. Por um lado, estas são crianças pobres que não têm quase nada, só comem uma refeição por dia, estudam e trabalham para ajudar as famílias na aquisição de alimento e de outros recursos, dentro das suas possibilidades e do que consideramos impensável para os nossos. São crianças vulneráveis que crescem demasiado depressa porque não brincam, estudam pouco porque não podem seguir mais à frente, são responsabilizadas pelas tarefas domésticas, pelo acompanhamento de outras crianças e pela continuidade da família. Casam antes de tempo sem se aperceberem do que é o amor, têm filhos a correr, uns atrás dos outros, porque, apesar de nos parecer que o tempo ali não passa, para eles o envelhecimento vem quase a seguir à infância. Por outro lado, segundo Mwamwenda (2007), as crianças africanas partilham as camas dos seus pais, o que lhes dá calor e presença humana constante ao mesmo tempo que consolida a ligação emocional mãe-bebé, já demonstrada vital para o desenvolvimento das crianças. Devido ao sistema familiar alargado, que predomina em África até hoje, a criança desfruta da atenção da sua mãe e do seu pai, mas também de outros familiares como irmãos, tios e tias, e avós. Geber (1958) citado por Mwamwenda (2007) defende que as crianças africanas registam um desenvolvimento e crescimento inicial precoces, particularmente na altura do desmame do leite materno. Assim, elas tendem a ser precoces nas áreas enfatizadas por culturas específicas uma vez que recebem muito estímulo social e físico, o que enriquece o seu desenvolvimento. 5. A Cura da Epilepsia na Tradição Africana A receita de algumas tradições africanas para a epilepsia chegou até aos nossos dias graças ao trabalho de Pierre Verger. Entre seus muitos estudos, Ewe: o uso das plantas nas sociedades africanas, tem uma importância especial e recolhe as pesquisas feitas desde 1950 na África. Nas suas pesquisas sobre o uso medicinal e litúrgico das plantas no candomblé, soube buscar colaboradores entre os biólogos. O resultado final, publicado em 1995, recolhe receitas para os males do corpo e do espírito incluindo que a tradição africana faz arrancar da força que está dentro das plantas, a receita é específica para a epilepsia e é frequentemente usada nas tradições africanas (Redicem, 2010). A epilepsia é uma doença que afecta a humanidade há milhares de anos e mesmo hoje com todo o avanço da medicina atual ainda pouco se sabe sobre os processos bioquímicos envolvidos na sua gênese. Os portadores de epilepsia continuam sofrendo discrimação dentro da sociedade e carregam o grande estigma que a doença produz, sequela dos tempos em que tais pacientes eram tratados como possuídos pelo Demónio. Além disso, o tratamento atual continua apresentando falhas e novos medicamentos precisam ser desenvolvidos e ou aprimorados. Em fim, em África, para o o tratamento de epilepsia pode se recorrer à rezas, macumba, magia, raizes e folhas de plantas, entras práticas tradicionais. 6. Papel do Psicólogo Sendo o psicólogo, um profissional directamente ligado ao mundo social e individual, este tem a tarefa de orientar a participação da família da criança epiléptica e comunidade em geral a apoiar todas crianças na condição epiléptica. Ao fazer isso, o psicólogo estará apromover o respeito pelos direitos da criança independentemente da sua condição física. Com isso, o psicólogo deve promover o diálogo familiar e comunitário com vista a identificar estratégias para o desenvolvimento normal das crianças epilepticas. Acima de tudo, o psicólogo, deve fazer um acompanhamento do desenvolvimento da criança com vista a evitar a incidência dos pólos negativos, nessa linha , essas crianças devem ser encaminhadas nos programas de necessidades educativas especiais e dar a orientação adequada ensinando a comunidade a lidar com ela adequadamente. O profissional de psicologia deve consciencializar a sociedade a necessidade a pautar por valores e tradições que não perigam a vida das crianças epiléptica, pois, as crenças são necessárias, mas há que se ter em conta a sua validade. 7. Conclusãos O conceito criança suscita diversas percepções consoante o espaço, o tempo e a área de estudo. Na África e em Moçambique particularmente define este conceito de formas diferente tratando-se de Código Penal, Criminal, Civil ou Lei de Protecção das Crianças. Contudo, em Psicologia este termo pode ser entendido como subjectiva e variavelmente, a incapacidade biológica, social e psicológica de realizar determinado tipo de actividades classificadas psicológica, sociológica e/ou legalmente como sendo de adultos. Nas tradições africanas, o ser criança é avaliado consoante a idade social e o porte físico (puberdade, menstruação e outros sinais) que ditam a participação ou não nos ritos tradicionais e nas actividades definidas para adultos. Os mitos, ritos, crenças africanas podem servir de base para elaboração de teorias para facilitar o desenvolvimento pleno da criança epiléptica dentro de um contexto africano. A epilepsia foi sempre vista como uma maldição principalmente na África antiga, ao criança epilética erva vítima de preconceito, descriminação e estigmatização, marginalização e até a sua eliminação física. Com o tempo, esse pensamento, foi mudando, os africanos foram aduirindo novas interptetações do mundo. Hoje, feliz ou infelizmente, algumas tradições e percepções antigas estão sendo ultrapassados. Esse facto deve-se em primeira mão à globalização que se verifica nos nossos dias, porém, tem suas implicações positivas e negativas. Negativo porque algumas práticas tradicionais vão se perdendo e consequentemente é a identidade africana em causa, por outro lado é positivo porque há uma evolução no pensamento africano fase ao desenvolvimento científico que é a luz para a humanidade. 8. Referências Bibliográficas Fumo, J. (2009). Relatório Preliminar da Pesquisa sobre “A Criança em Conflito com a Lei”. Maputo: Save The Children Norway. Misser, F. (2008). Tráfico de crianças na África Austral: conferência regional em perspectiva [Editorial]. The Courier, 2 (IV). Mwamwenda, T. S. (2007). Psicologia Educacional–Uma perspectiva africana. Maputo: Texto Editores. Redicem (2010). Dados Chaves sobre as Crianças. disponível em: www.redicem.org.mz/por/dados-chaves-sobre-mocambique/., aos 23.10.2011, 20hrs Save The Children (2007). Nossos Direitos Crianças, Mulheres e Heranças em Moçambique. Maputo: Save The Children. Sprinthall, R. e Sprinthall, N. (2000). Psicologia Educacional: Uma abordagem desenvolvimentista. Lisboa: Mc Graw-Hill. Disponível em: http://www.cerebromente.org.br/n04/doenca/epilepsy/epilepsy.htm, 28.10.2011, 12hrs

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